terça-feira, 30 de dezembro de 2008

violentas liturgias

as circunstâncias consomem-me os dias
devorando-me aos sonhos o sentido original
percorro o ilusório caminho das poesias
faço-me um deus para lá do bem e do mal

e as horas que aborto de um prazer desmedido
metamorfoseando o tempo num embaraço
barricam-me entre o que encontrei e o que tenho perdido
nas violentas noites em que de solidão me abraço

vejo nos corpos com quem permutei ilusões
contabilizadas as almas que logrei enganar
assaltam-me inquietudes em feéricas explosões
deslumbrado, vejo a destruição em mim de tanto amar

cinzentas; as ruas da minha cidade
pejadas de tantas gentes que a fazem deserta
matizam-se entre a indiferença e a saudade
e é para o pesadelo que o meu sonho desperta

nos passos apressados de quem de si se esquece
um burburinho de gente amansada é o que ouço
predador… sempre à espreita do que acontece
um ultimo e desesperado assalto àquele olhar não ouso

deixo-o estar no limbo para o qual remeto o divino
nesse paraíso feito da substância do sonhos
entre a glória grávida no gesto mais pequenino
e o violento rugir de batalha dos deuses medonhos

amantíssimo da força desmedida
o mais das vezes fornicando-a num leito de espanto
a surpresa com que me encontro no lado frágil da vida
amordaça-me em melodias de um triste encanto

sonho… sonho… sonho…
habito o vazio do que de nada se substância
altar de engano onde o meu holocausto ponho
em adoração a um demónio, que inocente; de nada sabia




leal maria

domingo, 28 de dezembro de 2008

meu país... desenhador do mundo

sob uma fria e impessoal lápide
a alma do meu país vai ali jazendo
inspirado por magnifica Tágide (1)
sobre ela estes versos vou escrevendo

veio desse Tejo espelho d´águas
trazer-me à memória o murmurar das caravelas
onde a força da vontade vencia as mágoas
e Portugal conquistava o horizonte guiado pelas estrelas

hoje… prestamos a bárbaras línguas vassalagens
deixamo-nos seduzir pela mediocridade
fazemos da porcaria d´outros fartas pastagens
e esquecemos o quanto de nós era curiosidade

mas um fado se ouve lá ao longe
na voz sussurrante da pátria já esquecida
como uma reza de um devoto monge
que teima em pedir a deus que lázaro regresse à vida

traz a lusitana quimera na melodia
guarnecida com a cota da esperança
onde o futuro se reveste com a rima da poesia
e da vanguarda nos fazemos a principal lança

ao sonho… ao sonho meus senhores!!
desbravaremos o denso nevoeiro à nossa frente…
em nome de quem quiseres… ou dos vossos amores
que coração que não dói também não sente

teimemos afoitos na descoberta das coisas
forcemos o porvir da história
português; que seja dura pedra onde a cabeça poisas
porque tu sempre foste o criador da memória

nada nos aprisionou nas terras firmes
arriscamos dar o passo que nos tirou da escuridão
porque não sermos agora igualmente sublimes
se temos as coordenadas tatuadas na nossa ilusão

dilatamo-nos num país de tantas cidades
pelo bravio mar, sob céus tenebrosos de tanto negrume
por mor esforço das nossas lusitanas vontades
conquista-mos o forte couraçado em alto cume

porque agora deveria ser diferente
porque soçobraríamos perante o plano inclinado que é o mundo
nem fracos reis nos farão deixar de ser forte gente
nem o mundo nos encerrará o seu segredo mais profundo

ao sonho… ao sonho meus senhores!!
desbravaremos o denso nevoeiro à nossa frente…
em nome de quem quiseres… ou dos vossos amores
que coração que não dói também não sente


(1) Tágide: Ninfa do Tejo


leal maria

Olhei e vi...

… e do passado toda essa lonjura,
que o tempo nos vai esbatendo da memória;
parece eterna a ausência de ternura,
olha-se e vê-se sempre a meio o cumprir da história…

por muitos que sejam os corpos fazendo um país,
derrubados nos gritos com que se faz a fúria de matar;
cravam-se nos sonhos a âncora do ser feliz,
procura-se justificar tanta ânsia na necessidade do criar.

mas tu,
Homem esquecido dos livros que perpetuam o futuro;
és quem trazes cerrada a tua mão numa espada.
e as razões que te deram foi o semblante duro,
dum soberano que a quem incomodas como o pó da estrada.

de nada te proveram senão leis que te espartilham…
aos teus filhos até os deixaram morrer de fome!
nessas brilhantes sedas onde reluzentes definham,
toda a glória tomam e toda a culpa lhes some.

mas eis que eu te digo: Não tem que ser assim!
porque dás o quinhão maior ao inepto general?
a estrada que te mandaram caminhar não tem fim;
e outros a continuarão quando sobre ti vier o final.

pára então na berma e faz uma casa para te abrigares!
muralha-a vigorosa como uma praça forte!
que se as violências te impelirem de novo a matares,
sempre será tua a luta onde encontrarás a morte.

e quando o teu corpo pedir um outro caminho,
faz-te de novo ao mundo sob um céu que é teu.
que os teus passos sejam firmes mesmo caminhando sozinho,
e nada esperes do que um antigo deus te prometeu.

caminha alheio às suas belas e encantatórias canções
tão cheias de ornatos incisivos e enganosos.
e ainda que vejas em sentido contrário ao teu as multidões,
lembra-te que a liberdades tem os sons mais melodiosos.

que se guerreiem entre si em jogos de salão
e engordem nas iguarias em que se lambuzam…
que não será com o teu punhal que outros corpos abrirão
não dês mais o teu aval aos desmandos que no futuro produzam…

Sê tudo e ao ser tudo sê nada!
apenas e somente faz-te senhor da vontade!
que tudo é nosso mas no fundo no fundo não temos nada…
a não ser a nossa mais intrínseca liberdade!




leal maria

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

…em que nasceu o menino

nessa tua fragilidade
em que um homem e uma mulher no mundo te semeou
vislumbrei a primordial humanidade
e imaculadas as tuas mãos
pois por elas sangue algum se derramou

sim… eu te proclamo filho de todo o Homem
dado á existência com o que ele tem de mais puro
sem as raivas que o consomem
nem desejos desses paraísos que lhe fazem o caminho duro

derramo em ti o azeite de ungir um Deus
anuncio-te como o maior dos profetas esperados
uma renovada esperança… um adiado adeus…
porque a tua inocência prescinde de corpos crucificados

nasceste isento de tudo que é mal no mundo
permaneces eterno nessa tua meninice
o essencial de algo mais profundo
que perdurá para lá de todos os dogmas já moribundos de velhice

sim… nasceste num feliz dia
parido na vontade de alguém farto de tanta iniquidade
de ti, menino, se fez a eterna poesia
que é o teu olhar de criança a reflectir a divina liberdade





leal maria

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

...

a noite acomoda-se na mansidão…
apenas lhe dá corpo um frio agreste.
e eu, amortalhado na sua escuridão,
penso em ti…
sob o lúgubre velar de um cipreste.

indiferente ao que no meu coração se sente,
o mundo,
vai-se alimentando dos nocturnos e ténues ruídos
que o anunciam cheio de vida...
mas há em mim, algo que presente,
que tudo são ferozes rugidos
antes de os silêncios
emprenharem a minha alma perdida.

e um límpido céu, pontilhado de estrelas,
fazendo jus à beleza da cósmica imensidão;
esmaga-me,
na luminosidade dessa miríade de velas…
é então que somente sinto,
o que foi um gentil toque da tua mão…
e o mundo, esse, mantém-se indiferente ao sentir do meu coração!

a noite, como um frágil paraíso aberto,
ao ver-me assim… vulnerável…
de sonhos tão deserto…
manda-me seguir em frente,
que é mais que tempo,
de dar fim ao que em mim há muito se sente.

obedeço e vou…
é tempo de deixar descansar o que na memória me ficou!



leal maria

sábado, 20 de dezembro de 2008

Eu, o principio do verbo que criastes

…mas eis que no cimo do altar, olhei e não vi
rio algum do mundo de mim derivar
nenhuma nascente em mim nascer
somente que esse mundo em mim vinha desaguar
e o espírito inquieto do argonauta se recolher

e com todas as perguntas que há a fazer
achei-me sem nenhuma resposta na bagagem
até as mais enraizadas ideias me começaram a morrer
e a verdade adiei-a para um ponto incerto da viagem

mas pediram-me verdades absolutas
quiseram-me saber o nome de ser Deus
e eu mais não fiz que lhes dar fratricidas lutas
ocultando-lhes que correm para o definitivo adeus

e da frágil argamassa com que os disse ter feito
fiz templos onde ordenei que me adorassem
marquei-os com diversos sinais no peito
e acentuei-lhes as diferenças para que se guerreassem

obedientes; assim fizeram como lhes ordenei
tragaram-se numa sanguinária autofagia
numa semântica enviesada que tomaram como lei
sacrificaram-me corpos despedaçados declamando poesia

mas eu nada lhes aceitei
fiquei ali inerte, como sempre o tinha feito
com as suas gorduras nem um grama engordei
e o meu frio mármore manteve-se perfeito

pouco me interessa que definhem iludidos
não me comovo com as suas lágrimas de dor
em nada me perturba esses inocentes perdidos
quando me imploram misericórdia com todo o ardor

em todo caso de nada lhes poderia valer
neste pedestal onde impassível os observo
outros me fizeram deus para melhor vos conter
nada pode alterar a fria natureza em que me conservo

mas… engano meu
sinto-me… sinto-me um deus que ensandeceu
aborrece-me esta plêiade obtusa de sacerdotes
ogres de barriga inchada com o que é meu
peço-vos que os façais combustível dos vossos archotes

vede a imensa má seara que pela terra semearam
estragada é a semente das suas retóricas arcaica e serôdias
porque foi em vão aquilo que com a fé buscaram
e o banquete prometido é um pão de duras côdeas

recuso desde já os nomes que me deram
nem Jeová; nem Alá; ou outro que me queiram dar
que nessa imagem em que me fizeram
criaram-vos como rebanho mansamente a pastar

está na hora de emancipar-vos do pastor
é tempo de fazer do tempo uma renovada descoberta
que o que importa no fundo é o amor
de quem em cada manhã vê o divino que desperta

e eu, que nada lhes aceitei
continuarei aqui inerte, como sempre o tenho feito
com as suas gorduras nem um grama engordarei
e o meu frio mármore manter-se-á perfeito…


leal maria

lá longe, esperam-me…

depois do tanto e tanto que foi dito,
ainda é tanto o que tenho a dizer!
paira sobre mim um fantasma maldito...
um permanente buscar aquilo que houver.

às memórias, já me vão faltando substâncias!
e se saudades sinto,
é de tudo aquilo que ainda não busquei!
que nas minhas “ transumâncias”,
há sempre um horizonte que ainda não explorei…

o que me importa o nunca chegar!?
para quê o sossego de um destino alcançado!?
tenho em mim um coração viajante a pulsar…
e pela inquietude ando permanentemente abraçado.

que não queiram vir comigo… compreendo!
mas não me pergunteis para quê esta dor de alma…
há mais mundo para além daquele que apreendo.
e nada me seduz num espírito cheio de calma!

o que amei,
com algum do meu amor ficou…
o que odiei,
ainda subsiste no que em mim não amansou…

mas tudo deixo como marcas no caminho,
para não me perder se me vier a vontade do regresso.
sei que escolhi caminhar sozinho…
mas tenho esperança que por mim esperem… confesso!


leal maria

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

reverso

caminhei ao acaso
por entre o absurdo que é isto de sentir;
e estudado que foi o meu passo,
não me evitou de em ti tropeçar e cair.

e as sombras, predominando sobre mim;
puseram-me à margem da tua claridade.
reclamei o princípio de um esperado fim,
exigi o meu quinhão de matizada saudade...

mas saudade … tenho eu de sobejo!
matizada de coisa nenhuma…
um gesto teu; um sorriso e o sonho de um beijo…
…efémera onda, num mar de branca espuma!

que importa o etéreo suspiro,
que outrora pensei em ti ouvir?
que importa seres-me como o ar que respiro,
se o tempo me sepulta na vida que vejo em ti surgir?!

estou já para lá da tua gramática…
falo-te num linguajar arcaico e obtuso.
e a minha mão, parada; estática…
desenha no vazio a tua geografia que eu esquecer recuso.

tudo agora em mim se cinge
a uma espera sem nada esperar.
e numa posse em que tudo se finge,
até me convenço que deixei de te amar…

mas o teu olhar… ai esse teu olhar…
revela em mim o esplendor de toda a tua beleza.
essa beleza sem nenhum altar...
pueril graça da natureza!

mas que importa o etéreo suspiro,
que outrora pensei em ti ouvir?
que importa seres-me como o ar que respiro,
se o tempo me sepulta na vida que vejo em ti surgir?!

estamos os dois em lados opostos do universo
tu és a sua renovada face e eu o seu reverso…



leal maria

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

...

de que valem as palavras,
quando tudo não faz sentido?
de que vale uma memória,
que se alimenta do que é já perdido?

nos mais ínfimos gestos,
reconheço em ti o corpo
do meu amor mais profundo.
e na tua voz,
declamados;
ouço os poemas todos do mundo

mas há tanto que te aguardo ,
na ponta do desespero…
esse limbo, entre o sonho e realidade,
onde em vão que por ti espero!

e a tua ausência
Já se faz maior que tudo
de nada me vale
o efémero que entre nós havia
amo-te num grito mudo
amordaçado…
num absorto lirismo de poesia.


lea maria

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

em mim, a memória do mundo

exigem-me um curriculum vitae...
curiosos,
pedem-me aquilo que sou contado como numa história.
tolos…
não me vêm encimado num pedestal que não cai?
não sabem que sou a humanidade em toda a sua memória!?

eu sou o soldado de Roma: o legionário;
para a batalha perfilado, entre a coragem e o medo…
eu sou o romance tirado ao imaginário,
de quem desesperadamente amava em segredo.

sou o inicio de um grito,
que se abafa sob a mão dos torturadores…
eu sou o dia bonito,
agradando à donzela que pinta no jardim as flores.

eu sou o infeliz e valente marinheiro,
que se levantou da morte mais vezes que as que caiu no mar.
eu sou o que se disse: “o primeiro!”
e sob o nome de seu senhor, veio as possessões reclamar.

eu sou o choro da criança ao nascer
e o desconsolado olhar da sua mãe de muitos filhos…
o gemido de lamento do velho ao morrer;
a coordenada que indicou os novos trilhos…

as minhas mãos têm sementes de fome e de pão!
na minha carne há o sabor de milénios de suor!
sou o furtivo vulto na escuridão…
sou feito de tantos e tantos poemas de amor!

sou o suicida que ao desespero se abandonou…
sou o soldado que se sacrificou pelos camaradas.
sou o sonho que uma vida inteira se buscou...
sou o tempo que diz que as coisas são passadas.

sou o actor da peça cheia de ambiguidades;
o dramaturgo de uma vida que não interessa a ninguém.
sou a lágrima que inadvertidamente revela as saudades;
o cínico sorriso que tenta disfarçar o desdém…

sou o deus que virou a cara ao seu povo!
o sacerdote que perdeu a fé.
sou o pregador anunciando o mundo novo…
o sub-reptício politico prometendo “amanhás” ao sabor da maré

sou o lavrador que rasga a terra,
numa prece aos deuses da boa sorte.
sou a declaração de guerra,
que prenuncia campos cheios de morte.


sou tudo e esse tudo não me cabe na vida...
sou o que foi e o que vai ser!
sobre as brumas da memória já perdida…
sou eu (e tu) que trago às costas,
esta humanidade que se recusa a perecer…




leal maria

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

?

Porque vens com esse olhar, subtrair-me ao sossego dos dias?

Porque insistes em despertar o mal adormecido amor, no leito das minhas poesias?

Afasta de mim esse cálice! Ele contem a minha tormenta...

magoa um amor que de si próprio se alimenta.

Afasta de mim esse olhar de ternura...

Que eu quero deixar adormecer o sentir que em mim perdura.

domingo, 14 de dezembro de 2008

ali... o futuro à espera

agora aqui chegados,
que fazer-mos então?
para trás, ficaram corpos derrubados;
frios; tatuando um infértil chão.

olho e vejo tantas mãos estendidas
e adivinho-lhes no tremer
a natureza das causas perdidas
diluídas num tempo que estamos a perder

almas nossas, que insaciadas,
encontram numa frase de despedida;
a esperança já tão arrastada,
pelos íngremes sentidos que é a vida…

não sei agora qual o nosso lugar!
que coordenada somos para quem espera?
há muito perdemos a inocência no olhar…
e pouco podemos valer a quem desespera!

mas aqui chegados, que fazer-mos então?
damos então tudo por acabado,
ou semeamos outras ilusões no coração?

o horizonte que hoje vislumbramos,
é o mesmo que no passado se vislumbrou.
e ao aqui chegarmos,
parece que ele ainda mais se afastou.

de que vale sentarmo-nos
e esperar que venham ter connosco as coisas do mundo?
a espera não faz mais que devorarmo-nos,
e sempre se vive no ir às coisas e ao seu profundo.

esqueça-mos as retóricas que nos venderam!
são meros ornatos tingidos a sangue vermelho.
mais não fizeram do que asfaltar os caminhos com os que pereceram;
porque vorazes, têm horror a que se morra de velho.

cerquemos esses cães de dentes arreganhados!
não nos iludamos com a sua ferocidade…
nas suas patranhas serão desmascarados;
e então prevalecerá a nossa verdade!

chegados então aqui, que fazer-mos então?

couraça com o contraditório as tuas ideias;
cinge um gládio de bom aço na tua mão.
que a palavra será o azeite das nossas candeias;
e o futuro será perseguido até cair-mos pelo chão…


leal maria

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

no arame

no arame…
sobre tantos precipícios suspensos,
no periclitante equilíbrio da indecisão…
amorfos…
vejo amigos, vós, que sois imensos;
confiar o destino em alheia mão!

nascestes com a vida já hipotecada!
outros têm-vos como sua propriedade!
e tudo fazem
para que a vossa voz se mantenha calada,
não vá a algazarra
despertar-vos para dignidade.

e é com espalhafatosos laços,
ornamentando-vos as belas indumentárias;
que vaidosos, vos deixais amordaçar.
mal sabeis que cavais a cova,
onde lentamente vos estão a enterrar.

de sorrisos forçados nos rostos,
habitando-vos um imenso vazio.
viveis os dias engolindo desgostos
com a felicidade
constantemente inalcançável por um fio.

e mesmo assim resignais-vos à vossa sorte.
sempre à espera do Homem providencial.
como se fosse possível adiar a morte;
e ficar a salvo de tudo quanto é mal.

em corpos de sinuosas geografias,
vendem-vos enlatada, a realização pessoal.
obrigando-vos a deixar para trás ancestrais poesias,
numa permuta sempre desigual…

alguém vos toca no ombro esquerdo
e olhais nessa direcção.
alguém faz o mesmo no ombro direito
e dai-lhes também a mão.

mas eis que outros vêm também
reclamar-vos para o centro.
e vós, não lhes tributais o merecido desdém;
não vá algum ter miraculoso unguento.

é nessa improfícua esperança,
que bailais o bailinho dos cordeiros amansados.
à espera da quimera que, garantiram-vos, se alcança,
no altar onde a esses Deuses sois sacrificados.

e das suas retóricas sem substância,
fazeis o filosófico credo
com que alimentais os vossos filhos.
prometendo-lhes,
ser deles o futuro que vislumbram à distância;
abstendo-os de escolher outros trilhos.

arre! arre… que sois bestas de carga!
cuspis nos corpos que se deceparam para vos fazer!
porque adocicais os lábios com bebida tão amarga,
quando o futuro está no que a vossa vontade quiser!?

é tempo de lhes mostrar qual é o caminho!
as escolhas serão tomadas por todos nós!
ninguém reinará sozinho;
que para isso se sacrificaram os nossos avós!

mas… a escolha é vossa!
tendes a opção de olhar em frente ou viver vergados.
mas se vos resignares a viver nesta permanente fossa,
mereceis esse semblante de permanente derrotados!





leal maria

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

aaah poetas... tanta palavra e...

aaah… como queria eu falar-vos de um rio
que calmo e sereno desaguasse num meu desejo
metáfora de cristalino fio
para descrever a vontade que teria de um beijo

como queria eu falar-vos em palavras desconexas
sem um sentido aparente
para que em vossas almas convexas
espremêsseis o que no meu coração se sente

quem me dera na palavra a fluidez
sem que houvesse de recorrer ao ritmo da rima
e nela esconder-vos a minha acidez
resguardando-me de perder a vossa estima

aaah…. o bom que seria
por certo teria a vossa sincera admiração
ouviria cantar loas à minha poesia
e então sentir-me-ia como se tivesse o mundo na mão

quem me dera o tão difícil talento
daqueles que provocam só de mencionar o sexo
deixaria que reconhecêsseis em mim um advento
mestre a debitar frases sem nexo

mas pobre de mim
que não sei dissimular a minha falta de arte
tudo o que digo é… enfim
um mundo que construi nos muitos em que o meu “eu” se reparte

falta-me a vossa tendência para o subliminar
não sei criar assim tetas tão difíceis de espremer
tenho embaraço em juntar-me ao vosso colectivo masturbar
porque necessito dar alguma clareza ao meu querer

por certo tereis do vosso lado a razão
e será só aparente a imperceptibilidade do vosso vocabulário
longe de mim dizer-vos caligrafistas de torta mão
cruzes credo que não quero ser tão arbitrário

o vácuo que em vós vislumbro é somente mau feitio meu
muito haverá nas entrelinhas do vosso escrever
não me ligueis que eu sou o tipo que a má sorte não abateu
e prometo que me vou esforçar para não vos mandar foder





leal maria

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

a semântica de um sonho acabado

tu e eu
com as palavras nos lábios ardendo
enredados nas entrelinhas do que sentimos
vemo-nos já perdendo
o rumo da história em que iludidos persistimos

e na esconsa representação que fizemos
das personagens que então sonhamos
projectamos o mundo que quisemos
deixando para trás a realidade que abandonamos

mas os gestos suspensos no tempo
que nos marcava a ilusão de eternidade
deixou-nos nas mãos o contratempo
de uma perene e dura saudade

tudo agora desaba no caos da normalidade
lentamente
apreendemos a semântica de um sonho que acabou
e o significado do que foi a nossa verdade
encerra-se nesse dicionário que o tempo fechou

somos ambos filhos de um deus ausente
anjos caídos em desgraça
pretérita caligrafia escrita no presente
num cruel verbo que de abandono nos abraça

resta-nos agora os olhares fugidios
que se cruzam em mal contidos embaraços
e fazemos segredo dos nossos dias vazios
embrulhando vacuidades com espalhafatosos laços


leal maria

domingo, 7 de dezembro de 2008

sombras de fogos-fátuos

ofuscam-me as intensas luzes que achei
dissimuladas, são de outros as suas verdades
em vão foi que afoito as busquei
não servem para me iluminar as cidades

querem-me na forma que lhes convém
desenhado segundo os seus desejos
mas as minhas razões votam-nos ao desdém
que mentiras tenho eu de sobejos

às realidades que me querem impor
respondo-lhes de dedo em riste
que nos fogos-fátuos em que alardeiam ardor
vislumbro a escuridão que neles subsiste

não serão eles dizer-me para onde vou
renego esses fornicadores de almas alheias
vejo bem a petulância que tanto os inchou
ao alimentarem-se dos cadáveres que repartem a meias

porque lá… no mais profundo que há em mim
outros são os abraços em que me irei amortalhar
recuso que me destinem um fim
não será pela força que me farão soçobrar

do passado, ouço os gritos dos nossos avós
sepultados no limbo dos injustiçados
perfilam-se no caminho para que não o faça-mos sós
que passou o tempo dos homens escorraçados

vem então… junta a tua à minha vontade
retesa o braço para a batalha que se anuncia
assaltaremos a fortificada cidade
vergar-lha-emos à força da nossa poesia

na talha da palavra descobriremos
o que há p´ra lá do que nos querem mostrar
e então o futuro far-se-á como queremos
e os gritos serão das canções que iremos cantar

por certo que erraremos algum compasso
haverá notas deslocadas das pautas
mas à nossa frente, todo esse mar aberto no espaço
encontrar-nos-á intrépidos nautas

e do passado…
sepultados no limbo dos injustiçados
ouviremos os gritos dos nossos avós:
não queremos mais homens escorraçados
perfilar-nos-emos no caminho…
não o fareis sós!



leal maria

sábado, 6 de dezembro de 2008

o canto da memória

guardo-te a um canto,
no mais profundo de mim
entre uma ténue luz
impondo-se à escuridão
nesse canto
está a essência de onde eu vim
o húmus
que fertilizou o meu primordial chão

fazem-te companhia
as coisas da minha memória
por vezes esquecidas,
mas nunca deitadas fora
e nos caracteres
com que escrevo a minha história
deixo-me à tua guarda
quando me for embora

sussurra-me na alma
(ela sempre te escutou)
as palavras
que me atormentaram por tanto as desejar
esqueça-mos o tempo
que para trás ficou
que eu vou adiante
e somente te deixo o meu sonhar

não! não sou eu que vou partir
nem tão pouco irei chegar
é outro que no meu corpo há-de vir
que o meu “eu” está já cumprido
e vai contigo ficar

guarda bem essa minha antiga morada
nela ficará o sal do meu mar
que entre a partida e a chegada
aí, nunca por ti findará o meu amar

que interessa o passado ou o futuro
aí…. será sempre presente
o tempo não se metamorfoseia num muro
e perene se torna
o que no momento se sente

outro “eu” ocupará o “espaço”
que foi o meu lugar no mundo
feito pelos fragmentos
dos muitos que me fizeram
que a vida
é um suspiro de um sonho profundo
e comigo levarei, a essencial substância
“desses” muitos que me antecederam




leal maria

a sombra das palavras

as palavras,
já gastas pelo tempo;
esbatem-se nas sombras do que senti.
e na impossível memória
do sentimento,
folheio em parágrafos
o sonho do qual fugi.

sentado…
à espera não sei bem de quê…
olho o caminho…
nada nele se anuncia!
nem quando…
nem como…
porquê...?
que é feito do desejo
que então em mim havia?

passam e não lhes ligo.
ignoro as promessas de novas verdades.
Incomplacentes;
cruas;
aprisionam-me as saudades…

deixo-me ficar!
expectante
no que já tomei como certo.
paradoxo
em que me deixo enredar;
pelo conforto de um coração deserto.

mas algo se move em mim!
há uma inquietude
que me substancia .
não… não é ainda o fim!
surgir-me-ão novas palavras...
esculpirei nelas mais uma poesia!



leal maria

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

fragmentos

Fragmentos…
gestos contidos contra a minha vontade
uma mal disfarçada verdade
o silêncio em que tudo digo sem nada dizer
um claro dia que principia a escurecer

meus passos sem um destino preciso
a causa na qual empenhei a alma
o código que mantenho omisso
a melodia embalando-me a tarde calma

a fúria que me turva o discernimento
a violência na minha mão alojada
a palavra que me dá corpo ao sentimento
o corpo da mulher amada

um sorriso fazendo-me feliz o dia
o sentido da vida num simples abraço
o segredo escondido na poesia
o tempo amordaçando-me com o seu laço

a imprescindível conversa que adiei
as batalhas nas quais combati
o sagrado que em vão busquei
o improvável amor que então senti

a memória de uma fraterna amizade
a circunstância sonegando-me o beijo
a fisionomia da intensa saudade
o delito de um inconfessável desejo

a sombra anunciando-me a companhia
o trilho que vou partilhando
o horizonte que o futuro então me prometia
o rosto que afinal continuo amando

…fragmentos!!



leal maria

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

seara maldita

de quantos horizontes encurtados,
na curva ascendente da vida;
precisam eles que sejam ofertados,
para alcançar a terra prometida?

quantos gritos querem anunciados,
por quem no desespero se aprisionou?
por quantos corpos despedaçados,
eles acham que o céu se comprou?

férteis são os campos onde semeiam…
o ódio dá-lhes profícua semente!
e nas frustrações que os rodeiam,
amortalham-se na promessa do eternamente…

que estranha forma de amar?
que estranha forma de obedecer?
objectivos no indiscriminado matar…
esperam recompensa no morrer!?

que Deus é esse que veneram,
atribuindo-lhe um amor que não têm?
e o paraíso por que tanto esperam,
é erigido no ódio com que nos vêem?

piedosos de dentes arreganhados,
corroídos pelo que tanto invejam…
Dissimulam, dizendo-se enganados;
renegando o que secretamente mais desejam.

férteis são os campos onde semeiam…
o ódio dá-lhes profícua semente!
e nas frustrações que os rodeiam,
amortalham-se na promessa do eternamente…




leal maria

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

A vontade lavrando a nova cidade…

nos gestos algo trôpegos,
adivinho-te a inquietação.
aaah …
sossega esses ímpetos tão sôfregos.;
porque já é nossa…
temo-la na mão!

agora, só nos resta ir em frente!
não olharemos mais o que para trás ficará.
a noite surgirá mansa, de repente…
e será testemunha da justiça que pela nossa mão se fará.

sossega!
esquece os afagos que te embalaram as noites.
não há tempo
para a irmandade dos corpos esfomeados.
na peleja, golpeiam a escuridão com o som dos açoites;
juntemos-lhes todos os gritos que estão amordaçados.

olha e vê… tão ufanos que para nós vêem!
cavalgam uma razão que lhes dá cobertura há tempo de mais
mas nós recebê-los-emos como convém;
saciaremos os nossos campos com os seus gemidos e “ais”

chega-te bem a mim!
endurece com o teu corpo, o corpo desta falange.
principiaremos o anunciado fim,
desse deus que diz: “ tudo o meu abraço abrange!”

mas não foi a nós que enganou com as suas doces palavras!
Jamais fomos sacerdotes das suas liturgias!
nenhumas doutrinas se produziram nas nossas lavras!
nunca nos ouviram cantar-lhe as poesias!

que nos impede então de o devorarmos?
vamos… a cada um o seu quinhão!
e quando satisfeitos ficarmos…
deitar-nos-emos em descanso no duro e frio chão.

nesse momento; que tomaremos como sagrado,
dançaremos a dança da humana liberdade.
e da vontade, que foi e será o nosso arado;
ergueremos das rudes cinzas, uma outra cidade.


Leal maria