sábado, 20 de dezembro de 2008

Eu, o principio do verbo que criastes

…mas eis que no cimo do altar, olhei e não vi
rio algum do mundo de mim derivar
nenhuma nascente em mim nascer
somente que esse mundo em mim vinha desaguar
e o espírito inquieto do argonauta se recolher

e com todas as perguntas que há a fazer
achei-me sem nenhuma resposta na bagagem
até as mais enraizadas ideias me começaram a morrer
e a verdade adiei-a para um ponto incerto da viagem

mas pediram-me verdades absolutas
quiseram-me saber o nome de ser Deus
e eu mais não fiz que lhes dar fratricidas lutas
ocultando-lhes que correm para o definitivo adeus

e da frágil argamassa com que os disse ter feito
fiz templos onde ordenei que me adorassem
marquei-os com diversos sinais no peito
e acentuei-lhes as diferenças para que se guerreassem

obedientes; assim fizeram como lhes ordenei
tragaram-se numa sanguinária autofagia
numa semântica enviesada que tomaram como lei
sacrificaram-me corpos despedaçados declamando poesia

mas eu nada lhes aceitei
fiquei ali inerte, como sempre o tinha feito
com as suas gorduras nem um grama engordei
e o meu frio mármore manteve-se perfeito

pouco me interessa que definhem iludidos
não me comovo com as suas lágrimas de dor
em nada me perturba esses inocentes perdidos
quando me imploram misericórdia com todo o ardor

em todo caso de nada lhes poderia valer
neste pedestal onde impassível os observo
outros me fizeram deus para melhor vos conter
nada pode alterar a fria natureza em que me conservo

mas… engano meu
sinto-me… sinto-me um deus que ensandeceu
aborrece-me esta plêiade obtusa de sacerdotes
ogres de barriga inchada com o que é meu
peço-vos que os façais combustível dos vossos archotes

vede a imensa má seara que pela terra semearam
estragada é a semente das suas retóricas arcaica e serôdias
porque foi em vão aquilo que com a fé buscaram
e o banquete prometido é um pão de duras côdeas

recuso desde já os nomes que me deram
nem Jeová; nem Alá; ou outro que me queiram dar
que nessa imagem em que me fizeram
criaram-vos como rebanho mansamente a pastar

está na hora de emancipar-vos do pastor
é tempo de fazer do tempo uma renovada descoberta
que o que importa no fundo é o amor
de quem em cada manhã vê o divino que desperta

e eu, que nada lhes aceitei
continuarei aqui inerte, como sempre o tenho feito
com as suas gorduras nem um grama engordarei
e o meu frio mármore manter-se-á perfeito…


leal maria

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