terça-feira, 16 de dezembro de 2008

em mim, a memória do mundo

exigem-me um curriculum vitae...
curiosos,
pedem-me aquilo que sou contado como numa história.
tolos…
não me vêm encimado num pedestal que não cai?
não sabem que sou a humanidade em toda a sua memória!?

eu sou o soldado de Roma: o legionário;
para a batalha perfilado, entre a coragem e o medo…
eu sou o romance tirado ao imaginário,
de quem desesperadamente amava em segredo.

sou o inicio de um grito,
que se abafa sob a mão dos torturadores…
eu sou o dia bonito,
agradando à donzela que pinta no jardim as flores.

eu sou o infeliz e valente marinheiro,
que se levantou da morte mais vezes que as que caiu no mar.
eu sou o que se disse: “o primeiro!”
e sob o nome de seu senhor, veio as possessões reclamar.

eu sou o choro da criança ao nascer
e o desconsolado olhar da sua mãe de muitos filhos…
o gemido de lamento do velho ao morrer;
a coordenada que indicou os novos trilhos…

as minhas mãos têm sementes de fome e de pão!
na minha carne há o sabor de milénios de suor!
sou o furtivo vulto na escuridão…
sou feito de tantos e tantos poemas de amor!

sou o suicida que ao desespero se abandonou…
sou o soldado que se sacrificou pelos camaradas.
sou o sonho que uma vida inteira se buscou...
sou o tempo que diz que as coisas são passadas.

sou o actor da peça cheia de ambiguidades;
o dramaturgo de uma vida que não interessa a ninguém.
sou a lágrima que inadvertidamente revela as saudades;
o cínico sorriso que tenta disfarçar o desdém…

sou o deus que virou a cara ao seu povo!
o sacerdote que perdeu a fé.
sou o pregador anunciando o mundo novo…
o sub-reptício politico prometendo “amanhás” ao sabor da maré

sou o lavrador que rasga a terra,
numa prece aos deuses da boa sorte.
sou a declaração de guerra,
que prenuncia campos cheios de morte.


sou tudo e esse tudo não me cabe na vida...
sou o que foi e o que vai ser!
sobre as brumas da memória já perdida…
sou eu (e tu) que trago às costas,
esta humanidade que se recusa a perecer…




leal maria

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