quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

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chove…
tempos houve em que tentei,
ó se tentei, até à saciedade,
em todos os dilúvios beber.

hoje, queria luz e chove…
entristece-me esta mania de o sol,
quando mais preciso dele, se esconder.

o vento é frio...
enfrento-o com o semblante irado,
de quem vê inimigo numa aproximação hostil.
tento equilibrar-me no bom senso para não cair no vazio.
mas a loucura anuncia-se-me,
cadenciadamente; num vai e vem subtil.

vã tentativa dissecar-me,
pensamento a pensamento; sentir a sentir;…
não logrei avançar
para lá dos mais básicos lugares comuns.
as mesmas duvidas sobre os caminhos a seguir.
não os sei caminhar:
é-me omissa a existência de mais alguns.

preso às coordenadas de toda uma vida;
como alternativa,
apenas a possibilidade de ficar parado.
recuso!
forçarei o destino,
para o dramatismo de uma tragédia por mim zurzida.
serei como a ignóbil personagem
do torcionário, seviciando um corpo torturado.

tenta-me o precipício…
ensaio dar o passo irremissível. 
insano interstício.
ínvio estágio de uma metamorfose para um futuro impossível



leal  maria 

sábado, 13 de fevereiro de 2010

frio amanhecer de um corpo solitário

podia ter seguido adiante…
pois podia.
mas foi aqui que os seus passos se quedaram.

e no fascínio do fugaz instante
em que o poema acontecia;
não discerniu que fundamentais regras se quebraram.

no olhar trazia abraços antigos
que a saudade na alma lhe petrificara.
e a certeza de vir encontrar em mim abrigos…
a mesma ternura sentida em outras mãos que agarrara.

corpo estranho numa razão que julgava maior;
a solidão era já tanta que resolvera arriscar.
o rosto, belo, sorria como quem mendigava amor;
adiantamento do quão imenso podia ser o seu amar.

podia ter seguido adiante,
mas não foi o que fez.
por aqui se deixou ficar na esperança de que lhe estendesse a mão.
liberta já das mais elementares regras da sensatez,
dispôs-se a permutar corpo e alma por um pouco de ilusão.

e foram tantas as vezes que prometi cumprir-lhe as quimeras.
no seu leito,
murmurei frases que lhe prometiam mais que o mundo.
desenhei,
nas dobras dos seus lençóis, países onde eram eternas as primaveras.
vendi-lhe o superficial como algo de muito profundo.

mas saciados os sentidos do corpo, falou mais alto a minha cobardia.
vassalo que era da circunstância de que nada tinha para dar.
nómada; a meio do caminho entre a prosa e a poesia,
recusei uma breve paragem para uma séria tentativa de a amar.

passei adiante… muito mais adiante…
para lá das ruínas que lhe havia prometido erguer.
em suspenso no seu corpo amante,
abandonei a possibilidade de um outro amanhecer.


leal maria

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

lesa majestade

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quando por ti esperava,
o mundo,
era-me um puzzle desconjuntado numa miríade de fragmentos.
uma peça disto; uma peça daquilo; enfim…
belos e anárquicos pedaços de um pouco de tudo o que existia.

fragmentos que pacientemente eu juntava,
numa terna arquitectura dos sentimentos,
alicerçados em todos aqueles sonhos dos quais não desistia.

hoje…
hoje já te não espero.
nem o mundo é o mesmo lugar onde outrora desejei a tua presença:
mais fragmentado é este que habito.

um mundo sem ânsia nem desespero,
de sonhos que me morrem logo à nascença;
e onde dou o dito por não dito.

refugio-me  na convicta negação do que senti.
abordo o amor sem a mínima intenção de qualquer permuta.
é verdade; resta-me ainda uma grande saudade de ti.
mas mesmo isso, não me impede de ser um “filho da puta”.

agora;
toda e qualquer batalha me serve.
sou mercenário perante a vida.
embriago-me na loucura dos vocábulos da má verve,
achando que toda a glória que me é devida.

perscruto os caminhos sem desejar ver chegar alguém...
neles, só me atrai a possibilidade da partida.
olho-os, indiferente ao que neles vem.
não tributo qualquer esperança à quimera que me foi prometida.

entardeço como a luz deste entardecer...
esmaece-se-me a luz que prometia eternidade.
autofagia de um fogo a arder;
lançando sombras sobre o que me é  mentira e o que me é verdade.

nostálgica, chega-me a voz de Joan Baez;
cantando o seu Diamonds and Rust, numa triste entoação.
despir-me a alma foi o que ela fez;
apanhando-me  de viés no preciso momento em que pretendia purgar-me de toda e qualquer ilusão.

bárbara é sempre a ilusão que contra a vontade em nós persiste.
uma palavra; um olhar ou uma musica é o bastante para a despertar.
é arena em que se assiste,
ao combate onde inevitavelmente acabaremos por soçobrar.

sim,
não te esperava e tu mesmo assim vieste.
chegaste como desde há muito o tens feito.
já me não lembro bem como e quando o fizeste;
mas para ti, há um lugar tatuado no meu peito.

foi a sonho e fogo que me o forjas-te.
indelével marca,
que me preenche as intermitências entre a tua chegada e a tua partida.
mais uma vez, tu, por fim chegaste…
corpo presente da memória, que me torna a tua ausência ainda mais sofrida.

 leal maria