quarta-feira, 29 de outubro de 2008

predador

no teu corpo saciado,
na dolente quietude de quem acabou de se dar,
adivinho-te no gesto momentaneamente adiado,
a promessa de um renovado amar.

meu amor…
(chamo-te assim, porque o sinto… mas também pela força do hábito!)
teimas enlaçar-me nessa carícia que ensaias nos dedos.
vês-me no olhar o acordo tácito
de quem se comprometeu desvendar-te os segredos.

porque me segues os passos?
que trilho insistes em desbravar para mim?
tampouco mereço os teus abraços;
quanto mais esse sentimento com que me olhas assim.

em mim reside o efémero,
o egoísmo dos deuses ciumentos.
presente e futuro às avessas com o passado,
numa incessante sucessão de outros intentos.

deixa-te perder-me.
abandona-me às sortes que eu escolher.
e ainda que haja em ti tanto querer-me,
não te faças tão minha, mulher.

leiloa-me a alma por todos demónios que existem;
para que se comprometam a aceitar-me no país que para eles inventamos.
lá, onde os rangeres de dentes ainda subsistem,
o meu corpo não reconhecerá este leito, onde ávidos nos devoramos.

sou um predador.
prisioneiro da ideia em que te guardo.
devorador…
a rubra alma  tinge-se-me de um cinzento-pardo.

deixa-te perder-me.
abandona-me às sortes que eu escolher.
e ainda que haja em ti tanto querer-me,
não te faças tão minha, mulher.






leal maria

sublimação

nossas ténues esperanças
a lutar para sobreviver
tu e eu
de novo crianças
deslumbrados pelo improvável de ver o amor renascer  

demo-nos corpo
resguardando a alma
imiscuídos nos silêncios de prazer fingido.
mas nossos sentidos letárgicos pela calma
procuram a renovação do prazer já tido

e de novo
na profunda escuridão
nos damos
despidos já das iniciais mentiras
sem constrangimentos a inventar o que amamos
eu dando e tu guardando tudo o que de mim tiras

não há mais lugar para as ilusões
dançamos a coreografia dos deuses ancestrais
em nosso corações
ansiamos a sublimação dos seres imortais

e a noite
ferida de muitos gritos
aconchega-nos no seu anonimato
onde nossos corpos
tão aflitos
dão por reiniciado o amor no consumado acto

e quando a manhã sobrevier
encontrar-nos-á encobertos na ternura
tu dirás que o futuro será o que deus quiser
eu…
farei segredo do sonho que ainda me perdura

não mais ilusões
corpos submetidos à coreografia dos deuses ancestrais
em nosso corações,
a sublimação dos seres imortais





leal maria

cesto da gávea


o que sou?

que me resta dos dias?
será que acabou
a violenta subtracção das poesias?

senti o sopro de um deus egoísta…
brisa pejada de tantos demónios medonhos.
cesto da gávea
e não se avista,
a costa verdejante
da prometida terra dos sonhos. 




leal maria

força de vontade

a vontade me fez
forçarei o futuro sem esperar a minha vez


de mim senhor
a vontade como penhor



leal maria

sábado, 25 de outubro de 2008

desencanto

um murmurar…
escuta!
de mansinho, leva sem tirar.
uma simples permuta:
vais-te e deixo de te sonhar
 
este amor
somente me sobreviva na memória.
parágrafo na minha dor
antecedendo o final capitulo de uma triste história



leal maria

difusas luzes entre sombras,

difusas luzes entre sombras,
tudo aquilo que agora sou.
ubíquo nos muitos “eus”,
disperso-me nas geografias que meu sonho encontrou

a caminho de todo e qualquer lugar
persistindo na errante dialéctica
um permanente buscar
a incerteza na sua cruel estética

em mim tatuado
as formas dos corpos que abracei
substância do meu incerto fado
estranhos azimutes que em mim achei

tudo se resume aos imediatos instantes
em que me dei
tudo tirando a quem a mim se deu
meus gemidos disfarçados de amantes
nos sonhos de quem quis sonhar um sonho meu

no supremo egoísmo
em que me faço um deus pagão
a sorte protege a acção a que me impele o heroísmo
pondo todos essas vidas na minha mão

mas na minha alma alvoroçada
escuto e não ouço as canções que em mim havia
apenas poeiras de uma rima forçada
no ensurdecedor barulho de uma má poesia



leal maria

tu aí... tão só

tu aí… tão só,
nessa tua esfíngica suavidade,
de tudo alheada…
recolhida numa qualquer saudade.

o teu olhar…
vejo-me e desejo-me para o ler.
fala um dialecto antigo,
e para tanto não me chega o saber.

nos lábios,
adivinho-te uma canção
flutuando em emergentes ternuras.
suspensa na tua mão,
uma carícia aprisionada na espera em que a seguras.

pergunto-me:
que caminho seguirás tu?
que luz é essa,
que permanentemente te acompanha?
vislumbro um sentimento nu,
no silêncio em que a tua palavra se amanha.

quem te esperará,
no fim desse trilho que agora segues?
quanto tempo se sonhará,
esse sonho que agora persegues?

ali mesmo,
no virar da esquina do tempo maior;
está o destino de emboscada,
substanciado no ínfimo pormenor.

entrelinhas de subtilezas,
em que refinar-se-ão os teus dias.
lugar de todas as tuas incertezas,
onde escrever-se-ão ainda muitas poesias…



leal maria

...

eis-me de regresso aos dias amansados!
no cair do pano, dou por findo todos os actos.
e os meus sonhos, de tão cansados;
subordinam-me a fantasia aos factos.

olho os que de mim para trás deixei;
enredados em complexas dramaturgias.
já moribundos nas personagens que representei;
fermentados num choro sem lágrimas desses violentos dias…

não sei se algo há que comigo ficou…
ou algo que de mim fugiu e se perdeu.
ao procurar-me, nada em mim se achou;
e o amor, se o houve, definhou e morreu!

fica-me somente a memória dos aplausos que julguei ouvir;
quando um brilho no olhar e um anuncio de um sorriso me bastavam.
um entrar de cena num corrupio de ir e vir;
numa sucessão de actos que a si próprios se devoravam.

e na loucura dessa suprema representação;
sobressaltado ao descobrir-me um incompetente actor;
vislumbrei uma saída na busca da razão;
abraçando o nada onde se faz ausente toda a dor.

eis-me de regresso!!
no meu palco; somente os murmúrios das salas vazias…
e numa quietude de quem se acha em solo sagrado;
busco epístolas para os sonhos de outras liturgias…





luis leal

...

caminha as ruas da cidade,
na firmeza periclitante dos muitos anos que por ela passaram.
não! não sabe a idade!
deixou de os contar quando não mais lhe importaram…

se alguma vez lhe brilhou o olhar,
em ninguém se encontra essa memória.
sempre o mesmo pardacento e eterno definhar,
de quem segue um destino de natureza aleatória.

os filhos que teve; há muito os esqueceu!
de toda a sua vida tenta fazer tábua rasa.
o amor, de tanto lhe fugir, morreu…
e o frio da noite no corpo e na alma a arrasa.

exige esmola aos incautos que passam,
estendendo-lhes a bandeja enrugada da sua mão aberta.
e as humilhações que ainda a abraçam,
há muito que nem a raiva lhe desperta.

o ódio a quem se nutriu com a fome da sua miséria,
diluiu-se nas outras misérias que a fome lhe perpetuou.
e os dias contados em rezas à sua santa Quitéria,
perderam-se com a fé que tanto a enganou.

vai dormir com o estômago ludibriado,
deitando-se em cama de cartão feita num vão de escada.
enroscando-se como um bicho assustado,
na vã tentativa de proteger a vida há muito acabada.

seu nome? não interessa!
Eugénia; Maria; Joaquina;… que importa!?
todos nós temos tanta pressa…
tomemo-la já como morta!



leal maria

..

no teu corpo saciado;
na dolente quietude de quem acabou de se dar…
adivinho-te no gesto momentaneamente adiado,
a promessa de um renovado amar.

meu amor…
(chamo-te assim, porque o sinto… mas também pela força do hábito!)
teimas enlaçar-me nessa carícia ensaiada nos dedos.
vês-me no olhar o acordo tácito,
de quem se comprometeu no desvendar-te dos segredos…

mas porque me segues os passos?
que trilho insistes em desbravar para mim!?
não mereço tampouco os teus abraços;
quanto mais esse sentimento com que me olhas assim…

trago em mim o efémero!
trajo o egoísmo dos deuses ciumentos!
…presente e futuro às avessas com o passado;
numa incessante sucessão de outros intentos.

deixa-te perder-me!
abandona-me às sortes que eu escolher!
e ainda que haja em ti tanto querer-me,
não te faças tão minha; mulher!

leiloa-me a alma por todos demónios que existem;
para que se comprometam a aceitar-me no país que para eles inventamos.
lá… onde os rangeres de dentes ainda subsistem,
o meu corpo não reconhecerá esse leito, onde ávidos, nos devoramos.

sabes bem o quando eu sou predador!
açambarquei-te na ideia em que te guardo!
devorador…
… rubra alma que se me tinge de um cinzento-pardo!

deixa-te perder-me!
abandona-me às sortes que eu escolher!
e ainda que haja em ti tanto querer-me,
não te faças tão minha; mulher!






Leal maria

abandono


deste-te
corpo e alma…
imiscuída nos meus silêncios de prazer fingido.
e nossos sentidos, letárgicos pela calma,
procuram a renovação do prazer já tido.

de novo, na profunda escuridão nos damos;
despidos já das iniciais mentiras.
sem constrangimentos a inventar o que amamos,
eu dando e tu guardando tudo o que de mim tiras.

e a noite,
ferida de muitos gritos,
aconchega-nos no seu anonimato.
onde nossos corpos aflitos,
dão por reiniciado o amor no consumado acto.

e quando a manhã sobrevier,
encontrar-nos-á encobertos na ternura.
tu dirás que o futuro será o que deus quiser;
eu… farei segredo do sonho que ainda me perdura.

não há mais  ilusões.
ainda que dancemos a coreografia dos deuses ancestrais.
e em nosso corações,
ansiemos a sublimação dos seres imortais.


leal maria

terça-feira, 14 de outubro de 2008

vazio

o imenso nada…somente o nada,
na sua linear anatomia.
o desmoronar,
da vã consistência da poesia.

meu campo deserto.
as palavras que nele semeei,
agora tão desprovidas de sentido.
sonho do qual desperto
exaurido
por mil e um afectos repartido.


leal maria

caligrafia

de mansinho, levaste sem tirar.
uma simples permuta
amas-te para eu te amar

meu amor…
sensual caligrafia da minha mais terna memória.
parágrafo na minha dor,
vã espera de um ponto final na história.

leal maria

tatuagens

em mim tatuado
as formas dos corpos que abracei
substâncias do meu incerto fado
azimutes que em mim achei

alma minha alvoroçada
canções que em mim havia
poeiras de uma rima forçada
ensurdecedor barulho de uma má poesia


leal maria

dialectos

tu aí, tão só…
esfíngica suavidade.
de tudo alheada…
recolhida numa qualquer saudade.

o teu olhar
fala um dialecto antigo.


leal maria

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

gramática da ausência

foste-te embora
deixaste aberta a porta por onde saíste.
um gélido vento trespassa-me,
ao entrar pela porta,
que quando para mim vieste, abriste.

na morada em que me habitaste,
espero-te;
porque afinal, nenhuma porta tu fechaste.
só a marca dos teus passos,
me indicam a direcção da tua ausência
e falta-me os teus abraços..
treme-me o corpo com violência.

mas não venhas.
não regresses ao lugar onde nunca estiveste.
são apenas as minhas poesias prenhas,
do um amor que nunca me deste.

poeiras da minha memória,
depositando-se nos espaços vazios de ti.
ocupando-me a falta que me fazes,
numa adulterada gramática do que senti.



leal maria