domingo, 27 de março de 2011

hoje não quero ouvir-vos as lamurias

hoje não quero ouvir-vos as lamurias.
tão farto ando dos vossos ais.
gestos prometendo-me as acções mais espúrias...
pouco me interessam as fortes razões com que os justificais.

mais ruga de furibundo ou menos ruga,
pouco contribuiria para a fealdade do meu rosto.
nem me sinto assim tão zangado.
afinal, há muito ando em fuga,
abandonei o meu posto,
por este exigir uma fisionomia de homem irado.

aqui nesta doce mansidão,
observando o tumulto, onde sôfregos, dirimis argumentos,
antecipo mais solidão,
depois de concretizados vossos intentos.

solidão por solidão,
fico-me pela companhia que há muito me acompanha.
nela habitam os meus fantasmas.
corpos que deram maior consistência ao meu tesão...
não! não integrarei as fileiras da vossa campanha.

é outra a minha guerra.
para a lutar,
pouco valem as retóricas com que arregimentais vossas gentes.
sou metade sol e metade podridão da terra;
húmus dando lugar às novidades emergentes.

hoje recuso-vos o sopro com que quereis criar a tempestade.
interessa-me calmas as águas…
migraram todas as minhas mágoas;
até parece que encontrei a felicidade.

uma mão divina afaga-me num sensual movimento...
pode não ser mais do que um breve interlúdio na realidade,
e somente a fúria interessar.
mas há o sentimento,
há a intensidade,
todo um mundo,
que na sua metamorfose se recusa a desmoronar.

sim, hoje quero a quietude,
sem que nela haja certezas.
a passiva expectativa como máxima virtude,
antes que tudo fique às avessas.

seja eu surpreendido
com o mau ou bom que aí vier.
independentemente do que quiser.
ainda tudo fique fodido,
e nada venha a fazer sentido,
será isso o que vou escolher .

todo eu serei desejo.
todo eu irei possuir.
venha daí o que nem sequer antevejo;
receberei o porvir com o rugido que um corpo faz ao se vir.

nesse orgasmo universal,
serei ontem hoje amanhã.
a parte que os dentes de Adão amputaram à maçã.
o caralho fundamental.
falo intruso nas entranhas de fêmea sideral,
a criar universos de natureza boa e malsã.

pois então,
como quereis que esteja disposto a ouvir-vos?
é-me suficiente sentir-vos…
não quero ouvir o que tendes a dizer-me!



leal maria

domingo, 6 de março de 2011

liquido amniótico da brutalidade

deixei que o silêncio
se sobrepusesse às minhas maiores vontades
a resignação como um lugar de aconchego
descobrir tão etéreo
a natureza do que tomei como absolutas verdades
forçou-me a apropriar-me das coisas com muito menos apego

se perguntas houve a que não soube dar resposta
acabei por desistir de as formular
não arrisquei tudo
e não arriscar foi uma má aposta
hesitei entre o passo em frente e o recuar

hesitação que me fez marcar passo
abster-me da dinâmica de um grito de revolta
recusei vincular-me a todo o contrato lavrado num simples abraço
embrenhar-me em labirintos
em que não tivesse a certeza de encontrar o caminho de volta

o sossego valorizado em demasia
interessava evitar a inquietude acima de tudo
outrora perdido na sinuosa geografia da poesia
optei por chegar calado e partir mudo

e assim ancorado à covardia
em lugar nenhum logrei encontrar um porto de abrigo
perdido um dos possíveis futuros ao recusar o que já havia
falta-me definir o que agora persigo

porque de volta à vertigem dos sentidos
onde a miragem é em si mesma algo de muito substancial
dou comigo a ser cinzel que esculpe corpos com rostos repetidos
sem que lhes descubra no âmago a essência fundamental

falta-me a voz quando tento articular uma primeira palavra
a persistência do meu forçado silêncio é-me algo ensurdecedor
nada resta de virgem na minha alma
e ainda que nela cave bem fundo com o brutal esforço de uma dolorosa lavra
dou comigo indiferente até à dor

o amoral desapego substanciou a minha brutalidade
dando-lhe a consistência do granito
sem dar por isso
passei p´ra lá da mais complexa sentimentalidade
um rugido de fúria é o que se ouve sempre que grito


leal maria