sábado, 28 de março de 2009

loucura

absorto
imune ao estéril murmurinho da multidão
pouco mais sou que um vivo morto…
a própria personificação da solidão

caminho alheio
a estas paredes guardadoras de tantos segredos
passo-lhes de permeio
e o único tributo que lhes dou
é uma leve e distraída carícia com os dedos

feéricas, as cores da cidade
na sua orgia cromática
tentam-me num convite à insanidade
energia para mim ainda tão estática
onde continuo a não encontrar nenhuma verdade

tudo nela é-me irreal
mais etérea que esse lugar onde os sonhos se formam
bizarrias do meu mundo original
que em fugazes memórias a mim tornam

sei-me perdido
sou-me um paradoxo de loucura
razão desprovida de todo o sentido
gesto de ódio germinado em ternura

os corpos passam-me pelas mãos sem que os conheça
os rostos não passam de esgares destruindo a beleza que lhes vi
nada há nos seus sabores que me impeça
de me afundar ainda mais neste abismo aonde caí

irrita-me este embaraçar-me os passos
rejeito todo e qualquer vislumbre do que então havia
e se por momentos finjo render-me aos abraços
são para lhes adulterar o que têm de poesia

procuro a perdição
busco aquilo que os demais têm por medos
o completo vazio do coração
a divina mão de Deus a quem amputaram os dedos


leal maria

segunda-feira, 23 de março de 2009

voo de um pássaro errante

sobrevém-me um imenso cansaço
germina em mim uma vontade de parar
um gélido abraço
obstinada recusa em continuar a sonhar

soberano imponente
este silêncio… entre nós
oculta num segredo tudo aquilo que se sente
ocupa a ausência da tua voz

e reconheço-me indiferente
esconjurei já todas as saudades
solitário no meio de tanta gente
alienei tudo o que foram as minhas verdades

nada mais me resta então
que o simples fruir da passagem dos dias
renego como infértil o chão
onde em vão semeei poesias

foi um vento que passou
voo de um pássaro errante
sonho que sonhar em mim se ousou
como novos mundos desejou o infante

no imenso e profundo universo
cabe bem mais um rumo perdido
que se ausente o amor do meu verso
renegarei alguma vez o ter sentido

quero o vazio… tudo é espaço
a ausência reina-me sem oposição
caminhos que não calcorreará mais o meu passo
poemas que os vindouros não me celebrarão

nada mais me resta que o nada
substanciando-me de coisa nenhuma os dias
minha nação soçobrada
por ser esconsa a mão que lhe forjou as geografias




leal maria

sábado, 14 de março de 2009

pontos cardiais (variação)

amor este
intenso… aquele brilho
norte e Sul, o Este e o Oeste
pontos cardiais de um trilho

rumo à revelia traçado
a insanidade e a vertigem
um abismo alucinado
encantos de uma doce virgem

corrida de pura sorte
alma nua, vazia
perdição premente… a morte
pagã liturgia

um ter por inteiro
um forte abraço
um amar verdadeiro
no olhar um embaraço

bárbaro desejo
a ausência do beijo


leal maria

quarta-feira, 11 de março de 2009

o português e o sonho

Eu; na amurada desta caravela
Agarro da gaivota, o voo dela
Para que nesse voo de liberdade
Retire a escuridão sobre a verdade

Em meu peito repousam as fúrias
Do Godo encurralado nas Astúrias
E também a coragem do Espartano
Pois sou o marinheiro/soldado lusitano

A conquista e a descoberta
Esperam-me p´ra lá do horizonte
Farei do abismo uma porta aberta
Mostrarei o que há p´ra lá do monte

Os perigos que lá me esperam
A mim não me desesperam
Porque tenho como virtude
O desejo; o querer e a inquietude

Levo comigo o sonho e a ciência
E uma ideia da pátria idealizada
O mito, para o qual não tenho paciência
E a memória da minha amada

Eu sou o intrépido marinheiro
Não afeito ao viver burguês
Estou na vanguarda, sou o primeiro
Cabe-me cumprir o sonho português


leal maria

...na madrugada

Vens-me, na madrugada
Grávida de poesia
Nas mãos trazes a palavra cinzelada
E no olhar a virginal beleza que nela havia

Com palavras te abraço
Ponde-te a nu a alma
Sentindo o calor do teu regaço
Que me agita a noite calma

O teu sorriso no seu desenhar
Faz-se trovejar de furacão
Tempestuosa fúria de amar
Assenhorando-se do meu coração

E sinto a suave carícia
Do leve toque dos teus dedos
Fugaz e efémera delicia
Subtraindo-me dos teus segredos

Solta-se a saudade
Num murmúrio estridente
Barbara ansiedade
Fazendo-me ranger o dente

E dou por mim a esperar-te
No limbo das coisas sofríveis
Um desespero de amar-te
No lugar dos amores impossíveis

Meu amor! Meu amor!
Meu maior pensamento
És em mim dor
Mas nunca; nunca serás lamento…



leal maria

vontades paridas

Vejo sonhos desfilarem
Em perpétuos movimentos
Vontades a dançarem
Ao sabor de sentimentos

Há uma alma em escarcéu
Que as suas fúrias liberta
Como se o infinito céu
A impelisse para a descoberta

E faz-se maior a vontade
Do que os mais enraizados medos
Perde-se o temor da tempestade
Deseja-se a quebra dos segredos

E pelo sonho se parte
De peito feito à aventura
E um homem se reparte
No desejo que perdura

Mas… corre-se sempre p´rá perdição
O sonho cumprir-se-á quando formos pó
Um aguerrido coração
Na luta nunca se sente só

E pó será
Esta carcaça
Que me coiraça a vontade
Alimento de outras vidas
E o sonho
Será sempre a verdade
Em outras vontades paridas



leal maria

fraca é a carne se a alma não ajuda

no princípio era um murmúrio
contaminando-me o sentido do verso
engano de um vocábulo espúrio
dissolvendo toda a minha fé de converso

chegou caminhando um desejo
num olhar anárquico e vagabundo
como o silêncio profundo de um beijo
brilhando num efémero segundo

fui agrilhoado como um cativo
posto na mais sublime servidão
eu; um louco e alegre festivo
fiz-me triste escravo de uma paixão

tantos foram as fugas que ensaiei
em violenta e insubmissa revolta
mas de todos os grilhões que quebrei
nenhum do teu coração se solta

fraca é a carne e a alma
que de si própria se compadece
se na tarde soalheira e calma
o que muito ama não aparece

terás que deixar de brilhar tanto
para que se acabe por ti este meu espanto…



leal maria

no limbo... em suspenso

Há em mim o frio da noite e a escuridão
E a saudade que me abraça num aperto de solidão.
E sinto a falta do teu olhar, dum adeus final
Onde se resgataria, por instantes, este meu amar ao mal

Há em mim um imenso espaço aberto
Um limbo que habito em suspenso
Onde a tua ausência me faz o coração deserto
Ancorado a um amor que dói de tão denso

Na minha memória as tuas fragrâncias
Desenham-te em breves momentos
Num destino de más circunstâncias
Que me traz em contínuos tormentos

E sinto-te parte de mim, tanto é o desejar-te
Nesta minha obstinada vontade de querer amar-te
Mas são nossos mundos díspares, tão diferentes
E é cruel a incerteza do que por mim sentes

Tremem-me as mãos em ânsias de tocarem
Os anéis dos teus cabelos, feitos em finos labores
Pois desconfio perpétuos, estes meus amores


leal maria

os meus pontos cardiais

Digo eu: Acabou! Acabou! Finito… Finito Est/
Mas no escuro horizonte surge, intenso, aquele brilho/
Marcando-me em pontos cardiais, o trilho/
Indicando-me o Norte e o Sul, o Este e o Oeste/

E, uma vez mais, cedo ao rumo que à minha revelia foi traçado/
Entrego-me! Lanço-me num abismo alucinado/
Caminho para onde me espera a insanidade e a vertigem/
Onde vejo esperarem-me promessas de amor e encantos da doce virgem/

E vou numa fuga em frente, em corrida de pura sorte/
Como se resoluto, procurasse a perdição premente e a morte, a morte/
Vou, sem armadura, desarmado, com as mãos da alma nuas, vazias/
Em prazer desbragado, fazendo danças de luas, em pagãs liturgias/

E vejo que irremediavelmente te pertenço e me tens por inteiro/
Onde o teu olhar triste me põe tenso, por julgar ver-lhe um amar verdadeiro/
Um amar em sintonia com o meu e feito de embaraço/
Onde me tortura este meu muito querer, de te cingir num forte abraço/

Mas que me serve este bárbaro desejo/
Se és permanente saudade em mim e tenho a ausência do teu beijo/




leal maria

o beijo

Quatro lábios se unem num beijo/
Em permuta de suaves carícias/
Onde há um mal contido desejo/
E um puro amor se veste de malícias/

Mas tu disfarças-te em usuais constrangimentos/
E recorres ao chavão desprovido já de sentido/
Na vã tentativa de não expor profundos sentimentos/
Negando os ternos desejos de um amor proibido/

Mas contraria a tua intrínseca natureza/
Essa tua quase amoral afirmação/
Porque negando essa aparente dureza/
Adivinha-se um sensível coração/

É então que falam mais alto os carnais sentidos/
E os corpos embarcam na primitiva dança/
Os instintos cumprem os gestos prometidos/
E a humana tribo festeja a renovada esperança/



leal maria

vida...

Passam os dias, desfilando as suas horas; minutos; segundos…
E no mundo vão coabitando vários mundos
Numa espiral de ódios; amores; abundâncias; fomes; violências
Onde num lugar se é feliz com um beijo e noutro se violam inocências
E há risos… há choros… gritos de desesperos, gritos de alegrias
Um homem, acariciando o cabelo do filho, aspira do mar a suas maresias
E há um pescador que tirando o sustento do mar, na tormenta morre afogado
Na barraca, de fomes farta, o menino vive com medo, acocorado
Uma gaivota, voando em sinuoso voo, no céu azul vai trilhando caminhos
Na América do sul, à bala, morrem uns pais, deixando os cinco filhos sozinhos
Nova York, na sua imponência, vê passar a limusina com o ricaço e as suas putas de luxo
Na Somália, a esfaimada mulher, confia o filho moribundo ao bruxo
A noiva, em histérica alegria, recebe o pedido há muito desejado
Um adolescente lança-se num voo suicida com a ideia de nunca ter sido amado
E tudo isto no presente, tem certo o futuro de vir a ser passado
Porque o que vai acontecer está já perfilado
Outros amores esperando serem amados
Outros ódios em ímpetos de serem odiados
Alegrias à espera de serem partilhadas
Carnes tenras, que em festins de fúrias, vão ser rasgadas


leal maria

devaneios

Quando sorris para mim, o que eu vejo
Será algum do amor que tanto desejo
Quando estão teus olhos para mim a brilhar
Quererás tu mostrar que me poderias amar
Sabes, eu tenho-te um amor verdadeiro
E amo-te como só se ama o amor primeiro
Mas falta-lhe a original pureza
Porque na minha alma há uma reza
Onde te faço Afrodite, minha Deusa
E desejo o toque da tua pele
Conhecer-lhe as imperfeições
Que acariciando o teu cabelo, por ti vele
Carne com espírito unidos nas mesmas emoções

Mas tudo isso são devaneios meus
Nossos caminhos cruzam-se
Mas os teus não têm, nem terão, o destino dos meus

Sabes, grande é o meu desejo, de te envolver num abraço
Repousar os meus cansaços no calor do teu regaço
Nossos dedos entrelaçados, unindo minha mão na tua mão
Onde lhe sentisse o possível amor no pulsar do coração
E dar-te-ia um beijo: terno; apaixonado
Onde amando-te, me faria amado
E desenhar-te-ia os contornos do corpo
Cinzelando-os com as minhas mãos
Numa sensual dança de dois corpos feito irmãos

Mas não têm teus caminhos o destino dos meus
São só devaneios; sonhos meus



leal maria

... que amou

Amou-se… ama-se… e dizes que foi amor vão
Então as ânsias dentro de ti; o tremer da mão
E os pensamentos a voarem na penumbra da tarde
Não perpetuará isso a maior verdade
Nunca tarda o sentimento
Pois é anárquico como o vento
Libertando-nos o pensamento
Tendo-o numa constante prisão

Nunca é inútil o bater por amor de um coração


leal maria

... no teu beijo, o fogo!

Trazias fogo no teu beijo
De tudo vinhas despida
Eu, esquecido já dum antigo desejo
Dei toda a palavra por perdida

Por inteiro, a ti me entreguei
Misturando o teu com o meu suor
E agora já não sei; já não sei
O que fazer com tanto amor

Há rostos que se desenham à minha frente
Prostrando-se no meu caminho
E a confusão que minha alma sente
Dá-me vontade de caminhar sozinho

Tenho na memória o brilho dum olhar
E não o sei brilhar por amor
Mas a certeza desse teu amar
Traz aos meus dias a pura cor

Seja! Escolho a realidade
Cansei-me de ilusões
Ofereço-te promessas de eternidade
Enquanto houver amor em nossos corações


leal maria

o querer

O homem não amansou
Porque não encontrou
O que tanto buscou
Só fragmentos
Marcando-lhe os momentos
Fazendo-o dar o salto
Perante o precipício
Improvável resquício
De um amargo amor
Divino desperdício
Que faz amargo todo o sabor

E impele-o a vontade
No seguir em frente
Quimera de uma verdade
Parida no ranger do dente

E o sonho,
Mesmo ali ao alcance
De um espírito que não descanse
De um querer que o agarre
Que fortemente o amarre
E não o deixe ir embora
Aguarda ser sonhado
Num ultimo adeus que é dado
Antes de tudo acabado
Antes da última lágrima que se chora


leal maria

lusitana vontade

Dão-se os corpos aos desejos
Numa entrega sem condições
E ódios dão lugar aos beijos
Num efémero reinado de ilusões

Mas soçobram as vontades
No prolongar do festim
Violentadas as virgindades
Impõe-se o indesejável fim

Outras vontades se levantam
Encarnadas no corpo do homem
Imagens que os sonhos lhe espantam
E como um fogo o consomem

Em catadupa vêm-lhe os porquês
Fazendo-o ansiar a imortalidade
E o homem português
Continua a busca da sonhada cidade

Nos oceanos onde sulca o seu trilho
Orienta-se pelos astros e o sonho
O incerto ofusca-o com o seu brilho
Na esperança de um futuro risonho

Mas há-de vir o fim e o esquecimento
E o nada reinará como inevitável senhor
Mas eterno será todo o momento
De quem não se detém perante o temor




leal maria

sobrevivem as palavras...

Não restando sequer um adeus
Ficou a palavra esculpida
Emoldurando os sentimentos meus
Não deixando a dor ser esquecida

Mas com todas as cartas na mesa
Não há mais lugar para enganos
As coisas seguem a sua natureza
Todos os amores ficam profanos

E no meio da tempestade
Tento manter-me de pé
Com a mentira e a verdade
Merecendo-me a mesma fé

Incólume, já não me é possível passar
Só me resta desistir; deixar-me soçobrar
É em vão todo o esforço que faço
Ficará por dar o desejado abraço

Há mais caminho à minha frente
Sem passos que o tivessem caminhado
E ao arrepio do que minha alma sente
Deixarei para trás o que tanto foi amado

No meio da bárbara tempestade
Tentarei manter-me de pé
Mas a mentira e a verdade
Merecer-me-ão a mesma fé

Porque subtis, nos rostos, as expressões
Escondem o quanto doem os corações


leal maria

a memória dos sorrisos

O sorriso passado
Faz maior a lágrima de agora
Porque num amor acabado
Algo de nós se vai embora
E anárquicas; aos trambolhões
Vêm-nos as recordações
Que depois do adeus ficaram
E nas palavras sussurradas muito amaram
Assaltando-nos o pensamento
Trazendo à vida o sentimento
Que já não é mais que um lamento
No inexorável passar dos dias

Mas continuas a sonhar o que nesses beijos pedias
Porque a busca se faz incessante
E o perpétuo é só um fugaz instante
Há sonhos que nascem e morrem todos os dias


leal maria

inocência perdida

Da violência do teu passado
Se fez o vazio no teu olhar
Por nunca teres sido amado
Pouco mais sabes que odiar

Esse ódio é o teu alimento
Mantém-te acesso o desejo de justiça
Trata-o com desvelo e alento
Para que a vingança venha à liça

Por todos foste enganado
De ti ninguém quer saber
Se serás um eterno violado
Faz do ódio a tua razão de viver

Nasceste no berço errado da vida
Foi o que foi
Profanaram-te a alma e o corpo
Sem cuidarem do que isso dói

Vai
Caminha de cabeça erguida
Faz duro o teu coração
Nunca deixes uma humilhação esquecida
E só para ti canta a sonhada canção:

{Descansa meu pequenino/ Das aventuras vividas
Foste o herói destemido/ das donzelas perdidas
Chegada é a hora/ Do repouso que o sono dá
Dorme valente cavaleiro/ Num terno abraço da mamã}

Com essa canção embala
Uma sonhada infância
Porque foi mais
Que mera circunstância
Teres nascido no berço errado
Terem-te a alma e a vida profanado

Ninguém se importa com o que isso dói
Só tu podes fazer a justiça que o ódio constrói


leal maria

Perdido, no meio do caos que criei

Perdido no meio do caos que criei
Vou tacteando por entre a escuridão
Na esperança de tocar a ilusão
Que em tantos sonhos busquei
Que em tantos sonhos amei

Mas são tantas as dores em que tropeço
Tanto esforço feito a cada recomeço
Num constante adiamento
Do que será o inevitável momento
Quando em definitivo te fores
Deixando-me com estes meus amores

E as linhas do teu rosto
Fazem-se limites do meu pensamento
Solitário sentimento
De uma geografia em desgosto

Olho e não vejo a luz esperada
Não tem fim este túnel em que ando
É tão grande a distância alcançada
Que há muito passei o que andava buscando

Cada passo que dou é uma tragédia
Pelo muito que de ti me afasto
Mas rio alto como se tudo fosse comédia
Para que a tristeza não faça de mim seu repasto

E as linhas do teu rosto
Fazem-se limites do meu pensamento
Solitário sentimento
De uma geografia em desgosto

leal maria

dura o amor mais que as palavras...

Meu eterno poema
Original vocábulo da minha criação
Angular pedra do primordial esquema
Linha de vida da minha mão

segunda-feira, 9 de março de 2009

onde estão os punhos erguidos?

onde estão os punhos erguidos
que já não os vejo?
que é feito dos gestos decididos
tentando cumprir o desejo?

amorfos, há rostos que desviam o olhar
órfãos da vontade
hesitantes entre a inacção e o lutar
vivendo sob a ilusão de uma esconsa liberdade

e tu… alicias-me com um sorriso
soterras-me em carícias a indignação
argumentas mil e uma razões sobre o que preciso
mostras-me mundos que trazias escondidos na mão

é doce dormência a que me abandono
soporífero castrador de toda a minha raiva
o imperfeito sono
de mim se assenhorando sem que eu o saiba

mas ao longe há vozes que se não calam
sobrepõem-se a todos os gemidos dos amantes
gritam… gesticulam... falam… falam…
e assistem-lhes razões do agora do depois e do antes

há já quem vá despertando da letargia
há já quem gradeie as fúrias com os dedos
esperando a hora certa para soltar a anarquia
numa noite de parto de todos os segredos

deixa-me então apartar o meu corpo do teu
quero esquecer as doçuras do amor e da paz
nada quero do tanto que o teu beijo me prometeu
pois sinto o cheiro a sangue que a fúria me traz

ouve… são meus companheiros os que aí vêm
olha e verás como nos une a mesma sorte
desentranharemos os despojos que os vampiros contêm
dar-lhe-emos um novo rosto para a morte

nada de novo haverá naquilo que fizermos
será a mesma velha violência que irromperá
um tempo em que faremos o que quisermos
num intervalo dessa velha ordem que prevalecerá

reinaremos somente nesse entretanto
proclamar-nos-emos a vanguarda da esperança
e depois de passado o espanto
renovar-se-á o olhar vazio do homem e o choro da criança

e então já não terei os teus braços
solícitos, como um portão aberto
exilado que estarei de todos os espaços
habitando um sonho vazio, num mundo que desejaram deserto


leal maria

quarta-feira, 4 de março de 2009

...

quem são aqueles, precedendo-me no caminho?
vêm agarrados aos paradoxos da minha memória...
neles mal me reconheço;
e no entanto sinto-os habitarem-me a história!

tanto foi o que me ficou para trás...
já pouco há dos que fui neste que aqui vou!
personificações das minhas esperanças tão vãs...
muito do que de mim neles houve se evaporou!

mas há marcas que ainda me tatuam a alma!
recordações,
que o tempo não deixa de devorar na lenta erosão da sua passagem.
uma promiscuidade entre a fúria e a calma…
mansas águas de um rio que ousaram galgar a margem.

resta-me o continuar em frente;
de encontro à linha do horizonte inalcançável.
na procura de uma outra quimera que me tente;
couraçar-me na vontade inquebrável…

o caminho ficará inevitavelmente a meio!
não é, em todo caso, o fim que lhe procuro.
mas o que lhe está de permeio;
o desafio de transpor mais um muro…

o fim, esse; chegar-me-á sempre de surpresa!
como um velho conhecido de quem não sinto saudades!
de nada me adianta ter a vida presa…
tão pouco sobreviverão as pedras das minhas “cidades”.

fui germinado num caldo de efémeros ingredientes…
matéria de volátil natureza!
uma sucessão de causas aleatórias e inconsequentes…
resíduo cósmico impregnado de impureza…



leal maria

domingo, 1 de março de 2009

será talvez preciso...


será talvez preciso

passar de novo a Taprobana
degustar-te em novo festim de carne e suor
para que perdure o silêncio dos cães
quando passar a caravana
e nem um só gemido nos denuncie o amor

nos montes e vales que o teu corpo é,
nasce um país de original geografia
uma renovada fé
vogais e consoantes a parir  com dor a poesia.




leal maria