quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

fragmentos

pedaço a pedaço
alicerça-se-me um tempo e a sua história
no triste gélido abraço
de uma saudade metamorfoseada em  memória

o espanto
estilhaçado numa miríade de gestos reprimidos
azimutes perdidos
onde mal sobrevive o encanto
na frágil eternização dos sentidos

obtusa obstinação
o tudo é pouco mais que o nada
louca ilusão
de tragédia fecundada

urge um  outro “eu” emergir refulgente
na etérea e volúvel personalidade
que me faz afinal sempre o mesmo
travestido de outra gente
solicito a dar o passo em frente
sem medo do precipício que é a saudade  




leal maria

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

ir-te-ás e ficarei só

eras-me os dias
todos os meu anseios
meu desejo impresso na suave curvatura do teus seios
corpo feito das minhas poesias

triste e efémera  é a eternidade
às palavra me agarro com desespero
vãs fundações desta minha cidade
já há muito cá não vens e nem eu te espero

habitam-na somente as ilusões perdidas
refugiadas nas suas esquinas
nos seus vãos de escadas
vaga lembrança de carícias prometidas
num país de tantas geografias inacabadas

resta-me na memória do negro dos teus olhos
de tanta luz adivinhada
cintilantes
com um brilho roubado à ânsia do futuro.
 vislumbre de uma anunciada caminhada
a vontade mais forte que o intransponível muro





leal maria

domingo, 25 de janeiro de 2009

...personagem que sou de uma velha história, numa dramaturgia sem passado



perdido em labirintos isentos de convenções
ancorado ao cais da loucura com fortes amarras
busco
regressar às originais ilusões
à primordial manhã tricotada pelo canto das cigarras

esforço sem glória
do qual saio sempre derrotado
personagem que sou
de uma velha história
inserida à força em dramaturgias sem passado

tosco palco
onde dou forma ao que represento
numa actuação de tosca ciência
evolui
sem fluidez
cada gesto que invento
despojando-me de todas as máscaras de conveniência

e há o silêncio...
a espera alucinante 
por aplausos que não se fazem ouvir
actuo sem emoção no acto do bom amante
e é profundo o abismo em que me deixo cair
  
recurso literário que o dramaturgo usou
para que se não esculpisse em definitivo uma fisionomia
sou as metamorfoses nas quais se abusou 
das emoções germinadas pela palavra quando corpo da poesia

mas haverá  um último acto
representá-lo-ei com a mesma persistência desprovida de sentido
o argumento da ilusão sobrepor-se-á ao facto
e o pano baixará ainda antes de eu aparecer em apoteose
com semblante de actor agradecido 

ir-se-me-ão todas as personagens embora
já saturadas da intensidade com que as tenho encarnado
perdurará somente o cartaz a anunciar o dia e a hora
em que o que resta do que sou vai a ser sepultado

ninguém verterá uma lágrima por mim
o negro trajar do enlutado não se deterá na minha sepultura
e o agora latente desejo de dizer sim
será somente um posfácio
do que poderia ter sido um gesto de ternura



leal maria

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

...

em cada corpo que possuí,
eras tu que então amei!
em cada rosto que me deslumbrava,
procurava a forma do amor que por ti em mim havia!
tropecei em todos os sentidos,
até que te encontrei.
agora abraço-te
em tristes palavras de poesia.

dissolvem-se-me os dias,
em estranhos dialectos…
parágrafos do meu sentimento constante.
embriago-me em versos…
celebro afectos!
condenso-me no ponto final,
que não consigo passar adiante.

de que é feita esta idade,
que me reclama um tempo já gasto?
que é sentir esta saudade,
dum tempo presente onde me arrasto?

sonhos desmoronados …
muralha intransponível de desilusão !
sorrisos,
que voluntariamente dou como acabados;
nas carícias contidas da minha mão.




leal maria

...

que gritos perante os silêncios nos soçobraram?
que gesto ao nascer nos morreu na mão?
que desejos do corpo nos definharam,
espalhando-nos uma alma exangue pelo chão?

que sussurro desejamos que do sonho nos acorde?
que afago nos acariciará o amor ardente?
a palavra vem e é com violência que nos morde;
semeando-nos abismos que nos impelem a dar o passo em frente

gozamos o sol e regozijamo-nos com a boa sorte…
a vida é-nos fiel e sorri-nos com bonomia.
mas nem sempre encontramos um cais onde a nossa barca aporte.
nem sempre um canto se substancia de uma bela poesia.

por um sonho,
quantas vezes é que não fomos e nos deixamos ficar?
quais foram os feitos que nos mereceram um tributo de suor?
eram secretos os mundos que te habitavam o olhar;
e indecifráveis, as coordenadas onde lhes encerrastes o amor…


leal maria

domingo, 18 de janeiro de 2009

O conquistador da cidade sitiada

a boca aberta num grito que se não escutou;
ornamentando de uma humanidade decepada, as ruínas.
no olhar, um medo que a morte no rosto lhe petrificou;
e que eu, num inusitado pudor,
fechei com as minhas mãos assassinas.

sigo em frente…
para trás nada deixo de mim!
comigo vai todo esse amontoado de gente,
à qual abreviei os sonhos, trazendo-lhes o fim.

são fantasmas ainda quentes,
que cingi com meu abraço de ferro.
e murmuram-me, em letras de sangue, as canções poentes;
que no corpo lhes escrevi, com a cutilada certeira que nunca erro.

nada me sobra da fúria inicial!
somente um torpor me faz lembrar o homem que sou!
agora que passei p´ra lá da fronteira do mal;
quero beber da taça de quem as cidades conquistou…

Glória! Glória! Glória…
mas… a que preço!?
apenas mais uma sanguinolenta página da história...
um derramar de ódios que me trazem possesso,
e me habitará a memória.

depois, nada mais importará!
somente perdurarão os rastos de destruição…
corpos caídos que poucos ou ninguém chorará ;
fertilizando a morte que semeio pelo chão.

nada se colhe nestes campos a não ser pesadelos!
não germinará nestas searas nenhuma poesia!
aqui somente há ranger de dentes e arrepiam-se os cabelos…
morre-se no anonimato sem direito à efémera beleza de uma elegia.

é desta matéria que é o homem feito...
cheio de ternuras sepultadas dentro do peito…
soterradas sob tanto ódio!




leal maria

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

...

em cada dia em mim te renasço
em cada manhã acordo grávido de ti no pensamento
fantasia de um imenso mundo que abraço
tecido nas emaranhadas teias do meu sentimento

em cada noite tributo-te uma alma em tesão
por ti despojo-me de toda a máscara na fria madrugada
é o teu corpo que no vazio acaricio com a minha mão
e o teu ventre emprenho com a divindade anunciada

é na memória do teu olhar que encontro o abismo profundo
nos fios anárquicos dos teu cabelos tiro as coordenadas do meu desejo
é nos teus lábios que tenho desenhado o mapa do meu mundo
e em cada seio teu tenho o alimento de eternidade do meu beijo

vem daí comigo
segue-me neste sonho feito de perdição e loucura
eclipsemos o tempo na imensidão da poeira sideral
que um deus não dura mais que um gesto cheio de ternura
e tudo o mais
não passa de uma permanente ausência germinando todo o mal


leal maria

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

...

quanto do que sinto me cabe num verso?
que sobra depois da palavra esculpida?
devagar…
vou-me consumindo neste universo…
como se nesse devorar, me nascesse uma outra vida.

mas tudo não passa de um obstinado querer,
que a ilusão faz maior do que realmente é!
reinvento-me;
a cada nova frase, num outro ser…
imolando-me,
em pequenos e insignificantes autos de fé.

tenho sede do que aqui não tenho!
ardo num fogo gélido de incerteza…
que interessa
para onde vou ou de onde venho?
o corpo só me reclama este alimento sobre a mesa…
…e o espírito?
…definha-me de tanta fome de ti!

que importa? que importa…
a tua ausência deixe-me lívido de morte!
mas, por maior que sejas em meu peito,
o universo não se rege pela minha ou tua sorte…
e segue o seu infinito caminho sempre a eito!

nem o ter disso consciência,
me faz prescindir deste meu egoísmo…
alardeio, ufano; as batalhas vencidas com literária ciência;
onde me transfiguro,
num D. Quixote de alucinado heroísmo …

e tenho saudades… não sei bem de quê!
do teu olhar… do teu sorriso…?
cego, este meu desejo já nada vê...
mas os sentidos gritam-me… é de ti que preciso!



leal maria

sábado, 10 de janeiro de 2009

um céu... sem pássaros que o voem

nas palavras que sobre o nada escrevo
espartilho todo o meu sentir
talhado nos caracteres em relevo
numa outra possibilidade de um existir

e por vezes, torna-se ínfimo o verso
não abarcando toda a tempestade
que é a minha alma no seu reverso
a moer tormentos de uma inventada saudade

amores que amo nesta dimensão
guerras que nela patrocino
génese maior de toda a ilusão
eternidade ideal como almejado destino

mas hoje; sobrevem-me um desencanto
de ver maior a palavra que o sentimento
fere-me a suavidade do doce canto
que é o sentir parido na dor de um lamento

vejo tudo não passar de vãs quimeras
inventadas no meu eu inquieto
fraco alicerce de eternas primaveras
povoando-me um bárbaro país sem dialecto

sou do tudo e do nada
verbo por entre cruéis adjectivos
filosofia escondida numa poesia acabada
na total ausência de objectivos

renasço sem nunca ter existido
recrio um sonho que nunca fora sonhado
num outro corpo sentido
disperso nos corpos por quem fui amado

olho…
acabou o plenitude daquele voar
cansado; pousou o pássaro no chão
o vento que o fez nos céus dançar
sopra agora sobre a desértica aridez do meu coração

e no entanto… ainda é tanto em mim!




leal maria

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

O gesto…

meu corpo órfão
quando do teu corpo se apartou
perdeu-se
em esconsas veredas dum desejo reprimido
murmurando
as canções que a tua voz outrora lhe cantou
numa ancestral melodia
de um tempo há muito perdido

e agora, no leito em que te sonhei
deposita-se um esquecimento
pela passagem dos dias
cobrindo de murmúrios
a intensidade com que te amei
abafando-me os gemidos
que sulcaram as geografias onde te perdias

restam-me os gestos
que nas minhas brutas e toscas mãos ensaiei
perdido
no emaranhado de tantas hesitações
sem memória
do prazer que então busquei
deixo à deriva o sentir
que nos habitou os corações

desse fogo
com que então, loucos, nos amamos
pouco mais resta do que as suas cinzas escuras
nada retivemos
do que tão afoitos buscamos
a não ser a ilusão
de que ousamos ternuras

hoje, são solitários os nossos passos
cada um de nós
recriou-se no seu próprio mundo
e de todas as promessas por entre beijos e abraços
nada resistiu ao fatal segundo…
…quando te acenei um adeus!



leal maria

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Recriação fora do paraíso (variação do poema também de minha autoria: Nascimento de Deus )

ergo-me em majestade
de um milenar fogo em que me imolei
e é num templo de mentira sobre a verdade
que afoito, me recriei

para trás ficaram caminhos que percorri
pejado com as fúrias dos meus antigos semblantes
com amargos sorrisos que de novo os senti
no meu corpo decepado aos prazeres dos amantes

mas recriei-me de tudo senhor
para que a minha vontade seja a única lei
parida com recurso a alheia dor
arrancada às almas das quais me alimentei

vi-me anunciado num verbo de eternidade
em todas as profecias que me precederam
castrei-me às hostes da humanidade
ao criar uma lápide onde o meu nome escreveram

e os meus desejos feitos nestas simples alquimias
tremem no periclitante pedestal onde se sustêm
tenho a alma amordaçada em poesias
e é cheio de vazio o amor que elas em segredo contêm


leal maria

domingo, 4 de janeiro de 2009

O nascimento de Deus

ergui-me em toda a minha majestade
do milenar fogo em que me imolastes
e foi num templo de mentira sobre a verdade
que vós, loucos, tão afoitos me criastes

aplanastes os caminhos que percorri
destes novas fúrias aos meus semblantes
foi com amargos sorrisos que eu vos vi
castrar aos corpos as esperanças dos amantes

e com as vossas simples alquimias
fizestes dos silêncios uma espada afiada
lançastes a morte à palavra esculpida das poesias
a liberdade foi da vossa nação escorraçada

criastes-me rei e senhor
para que tudo se sujeitasse à vontade da vossa lei
paristes o meu nome com alheia dor
arrancada às almas das quais vos alimentei

e todos os profetas que me precederam
anunciaram-me no verbo da eternidade
barricados no exercito que em meu nome fizeram
castraram o paraíso à humanidade





leal maria

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Iemanjá do meu mar na terra do sonho

chega-me a noite de emboscada
trazendo o frio da sua escuridão
em que tua ausência se faz mais notada
no abismo do nada na minha mão

e percorro os cambiantes da solidão
ao encontro dos seus verbos de abandono
escritos a fogo no meu coração
pelos pesadelos que me povoam o sono

são vozes de murmurantes segredos
falando dialectos de enganos
um sentir que se tacteia na ponta dos dedos
num tempo que se não mede em dias ou anos

e no sonho que te dá corpo à existência
meu amor…
se encerra tudo o que em mim há de ciência
com que dor… com que dor…
sobre ela durmo… suportando-te a ausência

longo é-me o abraço de Morfeu
tarda sempre o libertador amanhecer
que furibundo deus a ti me uniu e prendeu
nesta maldição de nem em sonho te esquecer

transfiguraste-te numa etérea promessa
demanda minha em busco de um outro santo graal
religião de liturgias que criei à pressa
onde te impus como sacerdotisa de pureza virginal

e no sonho que te dá corpo à existência
meu amor…
se encerra tudo o que em mim há de ciência
com que dor… com que dor…
sobre ela durmo… suportando-te a ausência


leal maria