domingo, 28 de novembro de 2010

teoria do caos

 num e outro olhar
 vi a solidão reflectida
 sonhos a desmoronar
 uma má vontade para com a vida

 é para o que me dá agora
 alimentar-me da desesperança alheia
 enquanto espero a ansiada hora…
 erupção
 de todas as fúrias que por estes dias se semeia

 como anseio que a anarquia chegue
 o regresso ao estado virginal
 irmanados na mesma esperança em que se persegue
 a razão fundamental

 o caos na sua mais crua natureza
 o questionar de todas as fundações
 engenharia de espírito abalando o que mais se preza
 ausência de paz em todos os corações

 a promessa de um novo mundo
 emirja dos escombros
 reivindicando-se interprete do nosso desejo mais profundo
 alguém exija ser levado em ombros

 como sempre foi
 olhá-lo-emos como providencial salvador
 mó malsã que toda a vontade mói
 libertos de um jugo
 de boa vontade submeter-nos-emos a outro senhor

 ovelhas de coeso rebanho
 norteamo-nos sempre pelo cajado do pastor
 esquecidos que nos destinam ser o puro anho
 a ser imolado
 num holocausto como devido penhor

 óh
 muita é a vontade com que desejo
 ver tanta humanidade à perene escravatura submetida
 oferecendo sempre a face ao traiçoeiro beijo
 deixar que tão poucos
 decidam por tantos a vida a ser vivida

 óh
 como bem lá no fundo
 somos tão mansos
 chapéu na mão a expressar um respeito profundo
 em troca de uma paz
 que nos vai permitindo regalados descansos

 depressa esquecemos as humilhações
 rei morto
 e logo faremos com que outro ocupe o seu lugar
 subtraímo-nos aos turbilhões
 silenciando a indignação que nos fazia gritar

 da maioria
 seja satisfeita a vontade
 venha a ansiada anarquia
 para que das ruínas se erga a mesmíssima cidade

 depois de soltas as fúrias
 quer-se é as coisas na sua torpe quietude
 nas naturezas espúrias
 conquanto tenham uma pacificadora retórica
 só se lhes vê virtude

 ainda que nada nos valha a indignação
 ( e milhares de anos dão inolvidável testemunho
 de que as coisas ficarão sempre como estão
 ainda que contra elas tenha-mos erguido o punho)
 a resignação não pode ser o que nos resta
 nunca será inócua a nossa luta
 se enquanto o caos durar fizermos a festa
 olho por olho e dente por dente for a permuta


 leal maria

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

a metamorfose forçada dos sentidos

faltam as palavras que me sobram
indecifráveis
cheias de ocultos significados
Insubmissos símbolos
que nem à minha vontade se dobram
suspensos num limbo
onde tantos sonhos foram sacrificados

sobejaram-me de um intenso sentir
esconsos alicerces agora caídos
testemunhos do eterno que acabaram por ruir
caos emergido
da metamorfose forçada dos sentidos

trôpegos são os passos que dou
ébrio de memórias a que não sei dar nome
algo indefinido que comigo ficou
e num lento desvanecer definitivamente se some

dolorosa amputação
morfologia d´alma alterada à minha revelia
como me dói
a ensurdecedora normalidade do bater do meu coração
rufar triste de tambor prefaciando uma elegia

enlutados
os tantos que sou têm semblantes de uma alegria contida
como se tudo o que foi
não deixasse a suas indeléveis marcas
sôfregos
agarram a mais ínfima prova de vida
recusando habitar os pantanosos terrenos das parcas

sobreviventes natos à dor
são a soma de tudo o que sou subtraída à tristeza
o amor
é somente um corpo estranho
de quando em vez contaminando a minha natureza



leal maria

domingo, 14 de novembro de 2010

superficialidades

de tantas fontes provêm
as lágrimas que ao longo da vida se vai vertendo
a ver bem
vertemo-las por “dá-cá-aquela-palha”
umas doce outras amargas
assim vai a humanidade vivendo
na ilusão
que todas se justificam e haverá um deus que nos valha

também as verti
com ranho e tudo mais à mistura
vertidas ao longo dos muitos anos que vivi
lágrimas de ódio
desespero e ternura

mas das que chorei,
em nenhumas encontrei uma causa sublime
nem a tristeza ou alegria que nelas houve me perdurou
algo reprime
e impregna de superficialidade
todo aquele sentido que em mim germinou

mais que a substância
tenho centrado o meu interesse na forma
ainda assim
em sintonia com a factual circunstância
de não convir muito sair da norma

sim
pela norma é que me tenho regulado
sigo a direcção que a multidão tomou
mas não tenho a certeza se me levará a algum lado
marchar ao ritmo da marcha a que o comum se moldou

qualquer coisa em mim grita estridentemente
e recusa o espartilho a que me obriga a convivência social
grávido de fúrias
parturiente de uma violência premente
tenho o ensejo de estar p´ra lá do bem e do mal

o ódio que tenho não é para isso suficiente
exigia-se um ódio extremado
inócua megalomania pelo tanto que sou de inconsequente
o eu que odeia
alterna amiúde com o que tem amado

sim eu amo pois então
ou melhor
amei
pelos menos tenho disso uma vaga recordação
mas definir com clareza o que sentia é que já não sei

havia um rosto a que o meu amor vinha sempre agregado
e quando assim é
parece coisa a sentir-se por toda a eternidade
tumultuosas águas que houvera navegado
e hoje só me desassossegam
com as densas brumas de uma indefinida saudade

provavelmente nem assim é
são tantos os subterfúgios
com que nos munimos para negar as maiores evidências
mas há que ter a ilusão ou a fé
de se poder moldar os sentimentos às nossas conveniências

sim
provavelmente amo como então amei
e é a resignação da perda que mo faz negar
não sei
ainda que ame já não quero amar

a vontade que nos habita alguma força há-de ter
se a decisão for a de amar então que se ame
eu decidi-me pela indiferença por tudo o que foi ou há-de ser
e recuso ter um nome pelo qual nos meus devaneios chame

sim
quero a forma superficial
ainda que venha ela com alguma imperfeição pela bitola do meu conceito
aperfeiçoarei com o meu desejo mais intrinsecamente carnal
a láctea pele do ainda pueril peito

o amor que em mim houver nunca seja profundo
não se projecte para lá do mais imediato instante
total desprezo por essas minudências do mundo
intruso nas feminis entranhas com a suave frieza do bom amante

é este o meu desejo mais intenso:
a mesma placidez
seja qual for os cambiantes de paisagem que vejo pela janela
humores subservientes àquilo que penso
somente regulado pela condição que de mim faz pó de uma estrela


leal maria

sábado, 13 de novembro de 2010

confiança

ainda os ouço… ténues rumores…
sopro de vento, promíscuo entre árvores nuas.
inquietantes sussurros de outras dores;
quimeras, que num ultimo estertor,
vêm tombar sobre a calçada polida das minhas ruas.

o prazo de validade acaba-se-lhes em definitivo.
relegadas para o mais recôndito lugar da memória.
procuro agora, ainda que esconso, um lenitivo…
couraço-me na convicção
de que não sairei derrotado da história.

derrotado nunca, isso não me declaro!
exangue; prostrado; quase a soçobrar;… tudo isso.
tendo a força de vontade como amparo;
pouco mais necessito para devolver ao rosto o sorriso.

interessa-me o porvir.
a intensidade da força que no presente se faz.
o espanto confiante… não temer o que surgir.
gládio não mão,
preparado para a guerra ou o saudar da paz.

é o tempo de todas as possibilidades.
lugar possível para o tentar concretizar tudo aquilo que se quis.
é límpido o clamor das mais intensas vontades…
assunção total das responsabilidades… desejar ser feliz.

uma miríade de horizontes onde resgatar-me de toda a escuridão.
há muito me expurguei de toda a vassalagem.
vou ao encontro de outros sonhos que me estendam a mão.
um passo a seguir ao outro;
até completar a minha parte da viagem.





leal maria