sábado, 8 de maio de 2010

jogo viciado





consumida a parte de leão das horas do dia
há muito desvanecido
o adocicado cheiro a terra molhada
mergulho em palavras de anónima poesia
perfilo bastas legiões na alma
mais uma batalha em mim será travada

prenuncio de sangue flutuando no ar
não sangue de mortos
tombados por uma causa qualquer
uma efervescência de homem
vã intuito de procriar
antecipação  do prazer que irá desaguar em corpo de mulher

a noite
mãe adoptiva de todos os meus vícios
sublima-me pela ilicitude que neles há
habitando-a, aliviam-se-me todos os cilícios
metamorfoseio-me na boca de Eva que mordeu a maçã

aos vícios
fui beber todas as tácticas belicistas que concebi
e líder
 todo eu fui uma plêiade de embrutecidos
umas vezes derrotado, outras vitorioso
 vivi
tão para lá dos limites dos mais prosaicos sentidos

porque não faze-lo também esta noite?
na vanguarda do meu querer há metáforas amordaçadas
forma do tesão universal de todo o corpo onde me afoite
irei a jogo com o baralho de cartas já viciadas



leal  maria  

domingo, 2 de maio de 2010

tragédia de quem calou o corpo no intuito de melhor ouvir a alma

que trágica personagem é essa
amor possível que cumpriu a sua promessa
provocando-nos com a subtil sensualidade?

baixe-se o pano, agora que os actos estão consumados
volte o passar dos dias pela solidão impregnados
e o tempo se recuse a omitir a verdade


os aplausos que a principio se recusaram 
foram os que mais se fizeram ouvir
desejosos da promiscuidade dos que se amaram
quisemos já tarde, deixarmo-nos prostituir

mas os corpos já saciados
só na alma sentiam a mortífera fome
e não se prestaram a ser profanados
por quem não os soube chamar pelo nome

bem lhes gritamos o muito desejo
mas em cena já só actuavam os eleitos 
eclodiu o som de um magnífico beijo
e orgasmos foram celebrados como grandes feitos

tantos foram os deuses que ousaram nesse momento
elevarem-se à condição humana
mas ao verem-se desprovidos de sentimento
sentiram a imensidão do vazio que deles emana

demoram-se agora os amantes nesse efémero estado de graça
comprazidos na inveja que  nos provocam
indiferentes ao que à sua volta se passa
é somente a Eros que para a sua orgia convocam

que adianta termos a veleidade de enganar-mos a morte
se afinal morre-se um pouco todos os dias
e é esse lugar-comum o que apenas agora nos cabe em sorte
por termos declinado o convite do sensual messias


leal maria

Canção da vã demanda

procuras agora
tão para lá dos azimutes
onde te diziam ires encontrar
e por mais tentes
por mais que lutes
sentes que marcas passo
não sais do mesmo lugar

mas tudo à tua volta
se emprenha de uma natureza mutável
e na anarquia dos teus sentidos à solta
vais da mais pura fúria, à palavra mais amável

militaste em ideologias
que acabaram por te desiludir
amaste corpos
sem que lhes entendesses os dialectos da alma
segues o caminho que se te apresenta pela frente
e é como se estivesses a fugir
logo pela manhã prenuncias o ocaso
que tingirá de rubro a tarde soalheira e calma

sim; estás a entardecer
suavemente e sem convulsões
mas no antípodas de um maduro enternecer
antes um desencantado amputar de ilusões

a vida pode ser uma subtracção ou um acumular
só que recusas exercer o teu direito de opção
deixas-te simplesmente naufragar
no letárgico  fim de cada ilusão

ao tempo
não lograste dele fazer, uma metáfora suavizante
deixaste algo para trás e não sabes o quê
o teu manancial de sentidos esvai-se, sem rumo, a jusante
e nem te dás ao trabalho de saber porquê

perdeste-te em geografias de loucura
e é numa esconsa forma
que moldas os amores que te tributam
imune a qualquer censura
é sem o mínimo critério
que aceitas os afectos que contigo permutam

antevês os precipícios à tua frente
e mesmo assim não recuas
perante as indefinidas sensações que em ti se sente
recusas ver que a verdade
está para lá das mascaras… incrustada nas almas nuas

sim; estás a entardecer
suavemente e sem convulsões
mas no antípodas de um maduro enternecer
antes um desencantado amputar de ilusões

a vida pode ser uma subtracção ou um acumular
só que recusas exercer o teu direito de opção
deixas-te simplesmente naufragar
no letárgico  fim de cada ilusão


leal maria