quinta-feira, 30 de julho de 2009

a natureza das coisas

por certo será essa a natureza das coisas
a bem dizer, não te sei dizer o que é
talvez a suavidade do beijo que em mim poisas
mas há muito perdi a fé
nada do que sinto é alheio à carne que me faz
e nem aqui, entre os teus braços, sinto paz

tudo fica por dizer quando prevalecem os gemidos
e o sentidos do corpo nos rasga as entranhas
mas desaparece o tesão
e são outros os horizontes prometidos
anseiam-se geografias que nos são estranhas

no entanto, sei-te aqui
e por mais que as voltas do acaso joguem contra nós
tu sabes que serei sempre por ti
mas olhamo-nos e não podemos evitar de nos sentirmos sós

tudo nos impele à partida e ao adeus
ainda que saibamos que nos sobreviverá a memória
de novo senhora dos sonhos que outrora fizestes meus
cinges no olhar a desilusão de uma folha em branco
a quem prometeram uma história

conversas ao luar e um ramo de flores
foram estes simples lirismos os que ansiamos
mas nos ímpetos do corpo deglutimos todos os amores
em demanda das quimeras com que em vão nos cercamos

foram sempre enviesadas as nossas liturgias
e aos paraísos talhamo-los na pedra mais dura
esconsos deuses ávidos de poesias
deciframos mal as subtilezas da ternura


leal maria

sábado, 18 de julho de 2009

tocam a finados os sinos de minha alma

o triste nem sequer é o não estares aqui…
nunca está ausente quem nunca chegou!
triste é ver que o amor que te tinha, hoje não o senti;
porque o diluí na desesperança e ele se evaporou.

triste é a gente ser senhor do sentimento,
ordenar e o ver obedecer.
eclipsa-se toda a magia do momento,
que houve no amor ao nascer!

sim! sou senhor do que sinto em meu peito!
e por isso matei a quimera que em mim te tornas-te!
mas fiz-lhe um funeral de preito;
somente omisso ficou no epitáfio se também me amas-te.

não porque censurasse tal inscrição!
tudo me é indiferente depois de lhe dar morte!
mas porque nunca a minha mão,
soube indicar ao teu corpo a direcção do seu norte!

perdi-te ainda antes de te encontrar!
somente te soube pelos passos que ouvia atrás de mim…
mesmo assim decidi que te iria amar;
tão simples como agora decido dar a esse amor fim.

são já, estas palavras, resquícios da tua memória;
que agora, por minha vontade, se vai desvanecendo.
fica assim, findo, um sentir sem história;
e um desejo, que impávido e sereno, vai morrendo.

vou agora ali à procura não sei de quê...
mas no meio da multidão, não quero ver o teu rosto!
que por muita que seja a vontade que em mim se vê;
o sentir tem as subtilezas de um frágil e refinado mosto.

aliás, até podes aparecer, que nunca te amei pela fisionomia…
um amor como o meu nunca a nenhuma forma se moldará!
adapta-se à volatilidade das almas onde presente poesia;
e não será pela beleza simétrica de um traço que a mim retornará!

mas se me vires e reconheceres,
não me chames e nem baixinho me prenuncies o nome!
que almas há que são amputações de outros seres;
e eu não sei que alimento à minha lhe sacia a fome!


leal maria

quinta-feira, 16 de julho de 2009

o sol d´outrora

eram as velhas por lutos endurecidas
que somavam os anos
com que vinham pavimentando o caminho que as levaria também à morte
nessa inexorável subtracção dos dias
em que outro remédio não lhes restava
que o resignarem-se à mal fadada sorte

era o tempo das tardes sem fim
sorvia-se quanto do sabor de verão havia
ao longe, por sobre a algazarra, a maternal voz chamava por mim
e eu, cheio de Julho e Agosto e luz, fingia que não ouvia

quantas batalhas aí venci
quantas damas de mim se enamoraram por mor da minha valentia
os beijos não foram menos intensos só porque os fingi
e a energia gasta encontrava-me no jantar e no saciar da fome a pura poesia

nada tinha de incerto
a esperança que em mim morava
ao outro dia haveria sol e eu estaria pela manhã desperto
porque nela só a certeza se encontrava

era o correr sem consciência do trabalhar dos músculos
e o rio onde ia buscar coisas à sua maior profundidade
o deslumbre perante o mundo dos bichos minúsculos
e a total ausência da saudade

era a minha alma sem muros derrubados
ou esta memória onde sepultei tantos sonhos
nem eram tantas as fisionomias recordando-me dias apaixonados
que a atenção estava-me concentrada na ferocidade dos índios medonhos


òooooh… como me lembro!
como eu, a sacar rápido, não havia ninguém...
quanta morte semeei sem que a vida se esvaí-se de alguém!


leal maria

terça-feira, 14 de julho de 2009

póstuma sanidade

foi-me a palavra póstuma ainda antes de nascer
o gesto
sepultou--me em paradoxos e incoerências
emanado no efémero a ambos fiz perecer
e mergulhei nos ímpetos e deslumbres das más sapiências

perfila-se-me uma bifurcação no caminho que sigo
nem um pouco de angustia me sobrevém perante a incerteza
há uma placidez
que me faz relativizar tudo o que persigo
porque é o caos que procuro na sua original pureza

os músculos retesados perante o incerto
anseiam a acção que deslumbro em meu desejo
à minha frente tudo se faz deserto
na iminência do abismo
que grita a reclamar-me um beijo

deixo para trás a espiral que me prefaciou a loucura
a direcção é agora em frente
num acto de pura rebeldia
recuso a lei que há muito perdura
e à bifurcação acrescento-lhe a bissectriz pungente

será um novo caminho o que farei
sulcar-lhe-á a geografia a minha vontade
como sempre, de mim serei rei
a pedra mestre da edificação de uma outra nova cidade

habitei sempre a penúltima etapa antes do abismo
agora enceto o derradeiro o passo
antecipação do verdadeiro cataclismo
embalado na melodia da vertigem onde me abraço

mais ninguém saltará comigo
serei sozinho nessa liberdade de todos os afectos
para trás deixo os lugares que foram o meu abrigo
vou-me recolher ao limbo onde não entram os espíritos circunspectos

nem escuridão nem claridade
lá, o nada
é também uma real possibilidade


leal maria

domingo, 12 de julho de 2009

mas a vida é um sonho

anda daí comigo!
agarra esta mão que te estendo!
se a vida é um sonho
porque não a sonhar contigo
neste barco onde toda a minha vida ponho !?

anda daí comigo alegremente…
segue-me para um destino que desconheço;
tenho esta coisa de navegar contra a corrente
seguindo quimeras que me trazem possesso.

vem! não olhes o que para trás deixas.
somente traz a certeza das saudades que sentirás.
esquece os lábios que agora beijas,
pois serão outros os corpos que amarás!

que interessa o conveniente?
mais não faz que nos amordaçar em medo!
deixemo-nos ir com o que o instinto sente;
decifremos-lhe o que nele há de segredo!

que é o amor? que é o ódio?
porque não deixarmos corpo e alma ser um só?
está-nos reservado o lugar no pódio…
aclamar-nos-ão na glória de vir-mos a ser pó!

anda, vem daí comigo ser a cósmica matéria!
as estrelas são nossas mães!
aqui, enjaulados numa liturgia demasiado séria;
somos deuses esquecidos do prazer que é um holocausto feito com simples pães!

agarra-te a mim!
deixa o teu respirar sintonizar-se com o meu…
não prenuncies sequer um não ou um sim;
segue-me somente para esses universos que o teu olhar me prometeu!


leal maria

sexta-feira, 10 de julho de 2009

grito

sim, fui eu quem deu o grito!
e se querem saber porquê, nada vos direi!
manifestando alegria ou aflito
não têm nada com isso
pois fui eu e mais ninguém que o dei!

e se dele assumo a paternidade
a mais não me sinto obrigado…
reservo-me a essa maior liberdade
que é dar um grito e ficar calado.

mudo , é tal qual agora estou!
tudo em mim são silêncios feitos de palavras amordaçadas…
há sentidos que em mim se achou
e que quero tornar águas passadas!

sim! já me canso de o repetir…
fui eu que dei esse grito que ouviram!
e entre o grito ir e vir
muitos foram os gestos que em mim se repetiram.

quem quisesse os soubesse decifrar
são muitos os dialectos em que a gente fala!
dá-se um grito por ódio ou por muito se amar
e não há vontade alheia que diga que nos cala.

gritarei sempre que me apeteça!
ainda que me digam por demónios possuído…
nada haverá que no caminho que me apareça
que impeça este mundo que em mim vai sendo reconstruído!

tudo está no cerne da vontade
tudo reside no desprendimento
grande é a cidade
quando livre, a cruza o vento

sim fui eu que dei o grito…
num som duro.. com a consistência do granito!


leal maria

segunda-feira, 6 de julho de 2009

almas perdidas que a circunstância uniu

o momento convoca a frase ao escrutínio,
agora que os sentidos do corpo se calam saciados.
mas palavras foi o que nos faltou.
era tanto o fascínio,
foram outros os dialectos falados.

deixemos os silêncios falarem por si,
porque afinal,
um ao outro nada temos que dizer.
no espaço que sobrou entre mim e ti,
consumiu-se todo o nosso querer.

resta-nos o adeus...
cada qual seguirá o rumo que melhor lhe aprouver.
os sonhos que tinhas continuam a não ser os meus.
és-me somente mais um corpo de mulher.

que fiz meu por instantes,
pois então.
e se de ti tomei posse também a ti me dei.
mas o desenho que te faz e me ficara na mão,
durou apenas o efémero absoluto em que me permutei.

neste momento, aqui ao teu lado deitado,
com o suave roçagar da tua mão na minha;
não me pertences.
porque na realidade nada me foi dado.
ainda que no olhar,
te sinta uma suplica para não ficares sozinha.

não foi esse o trato e tão pouco é a minha natureza.
sou apátrida em todo o corpo que a mim se dá.
somente me motiva a inquietude e a incerteza;
o desconhecido e o improvável que nasce em cada manhã.

como poderia então recolher-me ao abrigo dos teus braços,
e deleitar-me no teu ventre leito de pele macia?
seria enredar-me em emaranhados laços,
que me prenderia o corpo e alma em nós de humana poesia.

não quero essa dolência que só é boa para se fazer filhos.
a minha descendência serão sempre os demónios do que poderia ser
a mim próprio nego esses trilhos,
em que todos os sentidos jogam para nos fazer perecer.

sou aquele cingido com a armadura de batalha.
crispam-se-me as mãos em antecipação aos choros e gritos.
é mais do que eu cada cicatriz que se me talha;
a minha paz é sempre um prefácio de tempos aflitos.

não... já te disse que não!
deixa de me dirigires as palavras que te adivinho no coração.
ali adiante, esperando-me, tenho a perdição …


leal maria

sábado, 4 de julho de 2009

alma nua à descoberta do mundo

ao corpo não se me acabou o sentido
e na memória a alma está-me sempre nua
mas há um imenso espaço de tempo perdido
que diz que a ausência não é somente a tua

já me faltam aos sonhos a sua imaterial substância
perdi-a para os verbos de tanto verso
dissolvi-a nesse horizonte de incalculável distância
que é o paralelismo de um inventado universo

são tantos os seus lugares que me trazem a saudade
e neles nem sei porque me deixo ficar
sonhar é-me uma meia verdade
porque neste limbo é eterno o esperar

fico agarrado a imagens
desenhadas segundo uma nítida e clara ideia
que me ficaram impressas nos percursos dessas viagens
onde se me teceu emoções numa emaranhada teia

ando em círculos alucinados
seguindo o abismo profundo de uma espiral
resoluto retorno a segredos desejados
onde a lonjura de tudo personifica um mal

olho para trás e ninguém me segue
vendo bem nem eu o quereria
que basta-me que sinta que me persegue
uma miríade de palavras em possibilidade de poesia

tudo pesa imenso e há em mim o natural cansaço
de um sobrealimento de emoções
quero libertar-me desse sufocante abraço
que é a dor sentida na orfandade que se assenhora dos corações

sentir nada
como era bom que assim fosse satisfeito o meu desejo
sentir nada
nem quando o teu lábio no sonho me acaricia com um beijo

mas a flor cai sempre nas águas agitando-as
e naufraga estes meus intentos
vêm os demónios das emoções e perpetuando-as
deita por terra estes meus vãs alentos

que navio é este onde habito?
tudo é novidade nesse mundo que do alto da gávea da palavra fito!



leal maria

colhe em mim a seara que lavraste

colhe em mim a seara que lavraste
retira para as sombras meu verbo da tua eira
monda-me as agruras que na alma me deixaste
para que eu esqueça o que é ver o sol pela vez primeira

aridez me seja trazida pelo vento
e os dias me deslizem como areia por entre os dedos
fique deserto de ti o meu pensamento
e semeie-se-me nova sementeira de ressequidos segredos

sou um solo onde reina a infertilidade
o arado do tempo encontrou-me pedras em vez de terra
a ausência desse húmus que dá vida à possibilidade
fez-me inculto de amor e tornou-me campo de guerra

são gritos cheios de fúria os que em mim se ouvem
os gemidos de prazer há muito se silenciaram
deuses furibundos ciosos de que os louvem
lambuzam-se nos corpos que neste lugar que sou se amaram

colhe em mim a seara que lavraste
e teus lábios escondam os beijos que me foram prometidos
vi-os profanos quando o meu nome chamaste
cheia de ternura mas com os gestos de amor no olhar escondidos

de que me vale tal sentido se te apartas de mim
antes a batalha onde se derruba por entre clamores
semearei em chão estranho os sonhos a que darei fim
em silêncio para que de novo não despertem estes meus amores

mais do que a ausência ou a saudade
é o teu silêncio que agora me tortura os dias
meu corpo é um joio bruto e sem suavidade
mordendo o teu seio de trigo nas rimas das poesias

sequioso
há muito que tenho sede de ti … minha água
mas não posso
esperar-te eternamente nesta minha mágoa

tu tens outros campos para se lavrarem
e eu ganho definitiva consciência de que nunca chegaste
para que não sejam muitas as ilusões que se estragarem
colhe em mim a seara que lavraste


leal maria

,,,
PS: A frase que dá titulo ao poema “colhe em mim a seara que lavraste”, foi-me gentilmente oferecida, em jeito de desafio, por essa escultora da palavra, de seu nome Ausenda, autora do blogue de poesia “Utopia das Palavras”

hoje meu amor não veio (... e tantos são os dias que dão corpo a uma espera)



hoje o meu amor não veio
e o que de belo existe
tornou-se triste
ficou o mundo feio

hoje o meu amor não vi
fez-se em mim escuridão
foi dura a tristeza que senti
doeu-me no coração

leal maria

quarta-feira, 1 de julho de 2009

murmúrios de um sonho

sobrevêm os silêncios
sobre a cacofonia dos murmúrios
que na noite se tentam fazer ouvir
entre um sonho mal sonhado e o pesadelo
vai a incomensurável distância
entre o antes e o depois de um corpo se vir

é assim uma alma mercenária como a minha
que se entrega relutante à escravidão do sentido
cansada de se bastar sozinha
apropria-se de ti
mostrando-te mundos que já houvera prometido

e confesso
por momentos houve em mim o amor
soçobrei a essa lassidão
mãe do maior suspiro
mas recuso que habite em mim essa doce dor
regresso à superfície
desse mar de superficialidade onde melhor respiro

o meu tempo não se sintoniza com o de ninguém
e o acerto do meu passo
desacerta os que caminham comigo
procuro toda a gente
sem querer encontrar ninguém
que são os deuses inexistentes aqueles que eu persigo

nas estrelas nada me indica um trilho
se destino algum levo, o desconheço
foi ao absoluto nada que fiz um filho
e dele terei a descendência que mereço

e nada mais aspiro que esse nada
estou cansado destes tantos que em mim há
a galé navega há muito à custa da minha remada
é tempo de vir acabar com este dia para nascer um outro amanhã

porque na manhã desse novo dia
ouvir-se-á um choro anunciando uma vida nova
será mais cristalina a poesia
e mais doce a maçã do que esta que agora se prova

queres vir comigo para esta alucinação que conscientemente escolho?
tão belo é o teu olhar com os olhos com que agora o olho…
teimas sempre em prender-me nesse teu cais
e não é em mim que seguirás esse destino para onde vais!

que digo eu ?
se sou insubmisso e nessa condição me sinto perfeito!
usei-te como só se pode usar um amor que muito se almeja …
no suave desenho do teu peito
ancorei só a ínfima parte do que em mim se deseja!

mas vãs são as condições que imponho
os silêncios vão abafando os murmúrios de um sonho….



Leal maria