quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

espero...

espero, não sei o quê.
é um desespero,
esperar-se algo que não se sente; não se morde; não se vê.

maldita espera.
alonga-se o tempo... tarda o que tanto desejo.
há quem espere deus, uma nova era...
eu espero algo indefinido com todo o meu ensejo.

há nesta minha imobilidade,
a febril actividade de uma procura.
grito, chamando por algo a que não sei dar nome.
ancestral memória que tenuemente em mim perdura…
ausência que me traz possesso e me consome.

é desejar o mundo,
virgem no seu primordial segundo.
talvez assim, na sua natureza essencial, me fosse suficiente.
procuro a ínfima coisa do universo profundo;
numa só imagem a origem de todas as imagens da universal mente.

é vontade que em mim irrompe,
violentando-me.
e faz tremer todas as convenções que ao longo de anos subscrevi.

vontade que a alma me corrompe,
despertando-me,
do letárgico sono onde adormeci.

embrenho-me numa cacofonia de palavras ditas anarquicamente;
procurando-lhes no som e no sentido que tomam,
o original significado.
despidas, definitivamente,
da memória daquilo que constituiu o seu passado.

tudo corrói, a tradição.
contamina todas as originais intenções.
iníqua mão,
que firme, nos mantém amordaçados em quase inquebráveis grilhões.

quero deles me libertar.
corpo e alma movendo-se-me em harmoniosa coreografia.
dar satisfação a esta minha necessidade de um permanente buscar…
ouvir o choro do universo no momento em que nascia.


leal maria

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Tão delicado é o traço, com que se desenham os sonhos



pela delicadeza adivinhada,
na firme mestria do teu traço;
foste suave melodia, quando te disse por mim amada
e me era tão urgente o teu abraço.

dias imperfeitos se tornaram puros,
porque de ti tive conhecimento.
tuas palavras iluminaram-me os dias escuros,
ainda que, fátuo o fogo, fosse tão breve o momento.

agora és-me somente uma saudade,
que tudo invade...
orgia de cores em abruptos cambiantes,
de tudo se assenhorando despudoradamente.
paraíso perfeito para Homens e deuses serem amantes…
vã liturgia… sou já um sol poente!

escureço lentamente
numa Intencional transumância,
em que regresso às monótonas planícies do anonimato e escuridão.

amordaço neste desterro, o desejo latente,
onde buscava ainda, a feliz circunstancia,
de poder explorar geografia de montanhas nos sulcos das linhas de vida da tua mão.

adeus meu amor…
adeus ritmo maior da minha emoção.
foi talvez, demasiado simples o pormenor:
ser tão etérea a ilusão.

como podia ser meu teu coração!?





leal maria

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

panteão dos sonhos

fui eu, que mudo,
pelo meio do vosso silêncio vistes passar.
despojei-me de tudo;
para que a palavra não me denunciasse a urgência de gritar.

a custo, respeitei-vos o silêncio e mantive-me calado.
passei adiante do tanto que tinha para dizer.
deixei o significado das coisas no verbo amordaçado,
e depois disso,
vi-o definhar até morrer.

se fosse hoje…ai se fosse hoje…
gritaria a plenos pulmões!
seria outra caixa,
albergando novos males e uma nova esperança para que uma outra Pandora a abrisse!
da minha alma emergiriam vocábulos em magnificas erupções;
cataclismo gigantesco,
que no futuro, outro igual, mais ninguém ouvisse.

ai se fosse hoje…
seria o sexo com todo o corpo que existe!
a sublimação para além do bem e do mal…
miscelânea entre o alegre e o triste…
grito rugido no tempo fundamental!

mas não foi hoje…
foi ontem e o ontem já passou.
perdi a derradeira oportunidade
de apanhar esse singular navio, que neste cais que sou, aportou.

hoje;
resta-me o remorso de não ter quebrado a regra mais elementar.
não ter forçado os limites que me impuseram.
ignorei as vozes que na altura me estavam a chamar.
não fruí as quimeras que me venderam.

ao sonhos que ao longo dos anos fui juntando,
já lhes subtraí a parte maior.
e por serem poucos aqueles que posso ir desfrutando;
dou agora maior intensidade ao pormenor.

mas será já tão tarde?
esmorecerá o fogo que em mim arde,
numa lenta e dolorosa erosão,
para que não possa voltar a unir todos os fragmentos que me vão caindo da mão?

disperso-me em mil e um desejos por cumprir…
sou a parte amputada de um deus que enganou ao prometer-se eterno.
um passo dado em frente sempre à espera do outro para partir;
a meio do caminho entre o céu e o inferno.

sim! é já tão tarde!
sou naufrago,
mesmo aqui, resguardado nos teus abraços.
dás-me afecto e eu não tenho onde o guarde…
de tudo me despojei nos caminhos por onde erraram os meus passos.

mas… que raio…
que me interessa o sonho que se cumpriu!?
que prazer tirei nos objectivos alcançados?
busco a plenitude que ainda ninguém sentiu…
quero habitar a cidade dos espíritos pelas tormentas acossados!


sei que já ali,
há uma nova esperança.
ali mesmo, ao virar da esquina da possibilidade!
mas recuso-a, porque lhe adivinho a bonança;
e sinto-me enteado da quietude e filho da tempestade.

há-de de novo em mim trovejar!
levantar-se-ão os meus oceanos da sua placidez!
neles serei o argonauta quase a naufragar…
e a recusar o fim uma e outra vez.

serei a persistência dos trezentos espartanos,
na Termópilas a batalhar!
serei holocausto num panteão consagrado a deuses desconhecidos!
sou o baralho do tudo e do nada que um divino arquitecto está a baralhar…
sou a alma dos homens ainda não nascidos!


leal maria

domingo, 10 de janeiro de 2010

alma em estado de sitio

silencia-se a voz que outrora em mim gritava.
há um mutismo mudo,
que me percorre toda a alma, à desfilada.

mas desisto…
desisto de procurar onde já nada há!
urgente é que procure a luz da manhã!

preciso desesperadamente das coisas do mundo…
o bulício e o cheiro da multidão!
reintegrar nela o meu eu mais profundo;
sentir-lhe o sabor; pisar o mesmo chão!

preenchida de vazio,
deixo a folha em branco na qual tenho uma luta pendente.
sinto frio…
a solidão espreita-me; latente…

saio para a rua
tento despir a alma de todas as minhas absolutas verdades.
quero-a nua…
permeável a todas as fragilidades.

a fria luminosidade esmaece o fim de tarde
e abraça-me como a um velho amigo que há muito não se vê.
devagar, sem alarde,
ponho, ainda pouco firme, na realidade, o meu pé.

é como se me embrenhasse no desconhecido.
o passo, só gradualmente, torna-se-me temerário.
ainda letárgico para todo e qualquer sentido;
deixo-me dominar pelo acaso arbitrário.


mas insubmisso;
perscruto os espaços à procura uma alma mãe…
alguma esperança a que me possa agarrar.
anseio meu a que não responde ninguém;
é uma anárquica deriva este meu navegar!


perante o irrefutável facto,
de me estarem a morrer as poesias;
decido, num último e desesperado acto,
despir-me de todo o preconceito,
que sempre usei no comum dos dias.


não sei como nem quando,
perdi o sentido que tanto me atormentou.
obedeci tão cegamente ao seu mando;
que a essa cega obediência, a minha alma se moldou.

agora, amputado desse sentido,
quedo-me imóvel no espanto das coisas perdidas.
perante a possibilidade de tudo me ser permitido,
sinto-me incapaz de incorporar outras vidas.


senti demasiado!
desejei demasiado!
sonhei demasiado!

e para quê tanto sentir?
vã perseguição de uma improvável quimera!
loucura da qual tento emergir…
sob os seus escombros, sepulto, jaz o sentido que em mim houvera.

olho em meu redor;
o mundo continua o que sempre foi!
há nele ódio; indiferença; amor; …
mas em mim, um nada de tudo isso, que tanto me dói.


queria-me diferente,
mas sou apenas mais um entre iguais.
ainda que albergue na alma, múltiplas fisionomias,
não posso almejar mais,
que o que me oferece a rotineira passagem dos dias.

foi fugaz a minha imortalidade!
falta-me alento para continuar-me!
pelejei sempre em desigualdade...
será pela desistência que lograrão derrotar-me?

se o nada é a natureza para o qual tudo pende,
o nada será a substância dos sonhos que em mim voltarem a germinar!
couraçar-me-ei na essencial ideia que com naturalidade se apreende;
e nos faz persistir num caminho sem que desejemos a algum lado chegar.

nas ruas que calcorreio à sorte,
testemunho a vida no seu permanente desafio à morte.
quero também irmanar-me na solidariedade de quem tem esperança.
que no íntimo me emerja uma outra poética.
ainda que desprovida de corpo maduro ou de uma ética…
tão somente criança!

decido regressar...
regressar à luta à qual virei as costas!
alinharei as ideias num ataque em linhas sobrepostas.
contornarei o nada com o absoluto!
Investirei na contenda com um espírito resoluto!

a palavra surgir-me-á, nem que seja para nada dizer.
é algo que tenho que fazer,
para que as coisas fluam com naturalidade.
e um tempo sem idade,
funda num só,
o passado; o presente e o futuro;
num cósmico nó,
que derrube com a intemporalidade esse alto muro,
que são os instintos amordaçados nas conveniências…
a demasiada relevância dada às minudências.

mas na folha ainda virgem,
oprime-me a natureza de coisa nenhuma preenchida.
não lhe encontro a loucura; a vertigem; …
a esperança que me traga de volta à intensidade da vida?

assim imaculada na sua brancura,
faz-se-me maior a ausência da ternura.

é o vazio que nos preenche ao perder-mos algo que nos preenchia.
nas toscas e incompreendidas palavras que inventei;
quanto do sentido, em êxtase, no meu peito ardia?
tentei, mas nada criei,
que perene, me alimentasse a poesia.

acordo para os dias, sabendo-me definitivamente ausente.
afasto-me de a cada passo que dou.
esbate-se-me a memória outrora tão presente
e embaraça-me ver-me despojo de um sonho que se abandonou.

pudera eu acomodar-me ao desespero;
abandonar-me a liturgias de solidão.
desistir de tudo aquilo que quero;
mas persiste-me a esperança ao tactear a densa escuridão.

preciso de luz!
preciso libertar-me deste medo!
este medo que tenho e me reduz,
à inócua substância de um desnecessário segredo.


exilarei o sossego e a quietude,
para a pacifica placidez de uma qualquer virtude.
em mim emergirá um novo almejo!
e a necessidade absoluta do absoluto desejo,
desenhará em mim a forma do maior querer.
buscarei a imensidão na economia das palavras essenciais!
garatujar-se-me-á a alma até nem mais uma palavra caber ;
embrenhar-me-ei em fonéticas orgias fenomenais!

a ausência incrustar-se-á em mim diamante…
será a minha intrínseca natureza!
mas suspenso, sempre, naquele instante,
em que seres-me eterna, era uma certeza .



leal maria