domingo, 25 de janeiro de 2009

...personagem que sou de uma velha história, numa dramaturgia sem passado



perdido em labirintos isentos de convenções
ancorado ao cais da loucura com fortes amarras
busco
regressar às originais ilusões
à primordial manhã tricotada pelo canto das cigarras

esforço sem glória
do qual saio sempre derrotado
personagem que sou
de uma velha história
inserida à força em dramaturgias sem passado

tosco palco
onde dou forma ao que represento
numa actuação de tosca ciência
evolui
sem fluidez
cada gesto que invento
despojando-me de todas as máscaras de conveniência

e há o silêncio...
a espera alucinante 
por aplausos que não se fazem ouvir
actuo sem emoção no acto do bom amante
e é profundo o abismo em que me deixo cair
  
recurso literário que o dramaturgo usou
para que se não esculpisse em definitivo uma fisionomia
sou as metamorfoses nas quais se abusou 
das emoções germinadas pela palavra quando corpo da poesia

mas haverá  um último acto
representá-lo-ei com a mesma persistência desprovida de sentido
o argumento da ilusão sobrepor-se-á ao facto
e o pano baixará ainda antes de eu aparecer em apoteose
com semblante de actor agradecido 

ir-se-me-ão todas as personagens embora
já saturadas da intensidade com que as tenho encarnado
perdurará somente o cartaz a anunciar o dia e a hora
em que o que resta do que sou vai a ser sepultado

ninguém verterá uma lágrima por mim
o negro trajar do enlutado não se deterá na minha sepultura
e o agora latente desejo de dizer sim
será somente um posfácio
do que poderia ter sido um gesto de ternura



leal maria

1 comentário:

Anónimo disse...

Céus! que bonito! Que sentimento!!