num e outro olhar
vi a solidão reflectida
sonhos a desmoronar
uma má vontade para com a vida
é para o que me dá agora
alimentar-me da desesperança alheia
enquanto espero a ansiada hora…
erupção
de todas as fúrias que por estes dias se semeia
como anseio que a anarquia chegue
o regresso ao estado virginal
irmanados na mesma esperança em que se persegue
a razão fundamental
o caos na sua mais crua natureza
o questionar de todas as fundações
engenharia de espírito abalando o que mais se preza
ausência de paz em todos os corações
a promessa de um novo mundo
emirja dos escombros
reivindicando-se interprete do nosso desejo mais profundo
alguém exija ser levado em ombros
como sempre foi
olhá-lo-emos como providencial salvador
mó malsã que toda a vontade mói
libertos de um jugo
de boa vontade submeter-nos-emos a outro senhor
ovelhas de coeso rebanho
norteamo-nos sempre pelo cajado do pastor
esquecidos que nos destinam ser o puro anho
a ser imolado
num holocausto como devido penhor
óh
muita é a vontade com que desejo
ver tanta humanidade à perene escravatura submetida
oferecendo sempre a face ao traiçoeiro beijo
deixar que tão poucos
decidam por tantos a vida a ser vivida
óh
como bem lá no fundo
somos tão mansos
chapéu na mão a expressar um respeito profundo
em troca de uma paz
que nos vai permitindo regalados descansos
depressa esquecemos as humilhações
rei morto
e logo faremos com que outro ocupe o seu lugar
subtraímo-nos aos turbilhões
silenciando a indignação que nos fazia gritar
da maioria
seja satisfeita a vontade
venha a ansiada anarquia
para que das ruínas se erga a mesmíssima cidade
depois de soltas as fúrias
quer-se é as coisas na sua torpe quietude
nas naturezas espúrias
conquanto tenham uma pacificadora retórica
só se lhes vê virtude
ainda que nada nos valha a indignação
( e milhares de anos dão inolvidável testemunho
de que as coisas ficarão sempre como estão
ainda que contra elas tenha-mos erguido o punho)
a resignação não pode ser o que nos resta
nunca será inócua a nossa luta
se enquanto o caos durar fizermos a festa
olho por olho e dente por dente for a permuta
leal maria
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