domingo, 14 de novembro de 2010

superficialidades

de tantas fontes provêm
as lágrimas que ao longo da vida se vai vertendo
a ver bem
vertemo-las por “dá-cá-aquela-palha”
umas doce outras amargas
assim vai a humanidade vivendo
na ilusão
que todas se justificam e haverá um deus que nos valha

também as verti
com ranho e tudo mais à mistura
vertidas ao longo dos muitos anos que vivi
lágrimas de ódio
desespero e ternura

mas das que chorei,
em nenhumas encontrei uma causa sublime
nem a tristeza ou alegria que nelas houve me perdurou
algo reprime
e impregna de superficialidade
todo aquele sentido que em mim germinou

mais que a substância
tenho centrado o meu interesse na forma
ainda assim
em sintonia com a factual circunstância
de não convir muito sair da norma

sim
pela norma é que me tenho regulado
sigo a direcção que a multidão tomou
mas não tenho a certeza se me levará a algum lado
marchar ao ritmo da marcha a que o comum se moldou

qualquer coisa em mim grita estridentemente
e recusa o espartilho a que me obriga a convivência social
grávido de fúrias
parturiente de uma violência premente
tenho o ensejo de estar p´ra lá do bem e do mal

o ódio que tenho não é para isso suficiente
exigia-se um ódio extremado
inócua megalomania pelo tanto que sou de inconsequente
o eu que odeia
alterna amiúde com o que tem amado

sim eu amo pois então
ou melhor
amei
pelos menos tenho disso uma vaga recordação
mas definir com clareza o que sentia é que já não sei

havia um rosto a que o meu amor vinha sempre agregado
e quando assim é
parece coisa a sentir-se por toda a eternidade
tumultuosas águas que houvera navegado
e hoje só me desassossegam
com as densas brumas de uma indefinida saudade

provavelmente nem assim é
são tantos os subterfúgios
com que nos munimos para negar as maiores evidências
mas há que ter a ilusão ou a fé
de se poder moldar os sentimentos às nossas conveniências

sim
provavelmente amo como então amei
e é a resignação da perda que mo faz negar
não sei
ainda que ame já não quero amar

a vontade que nos habita alguma força há-de ter
se a decisão for a de amar então que se ame
eu decidi-me pela indiferença por tudo o que foi ou há-de ser
e recuso ter um nome pelo qual nos meus devaneios chame

sim
quero a forma superficial
ainda que venha ela com alguma imperfeição pela bitola do meu conceito
aperfeiçoarei com o meu desejo mais intrinsecamente carnal
a láctea pele do ainda pueril peito

o amor que em mim houver nunca seja profundo
não se projecte para lá do mais imediato instante
total desprezo por essas minudências do mundo
intruso nas feminis entranhas com a suave frieza do bom amante

é este o meu desejo mais intenso:
a mesma placidez
seja qual for os cambiantes de paisagem que vejo pela janela
humores subservientes àquilo que penso
somente regulado pela condição que de mim faz pó de uma estrela


leal maria

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