domingo, 18 de abril de 2010

dialectos gestuais

soam sempre mais alto
os gritos emitidos pelos silêncios dos gestos
tomando-nos de assalto
a ambígua leitura que neles fazemos de possíveis afectos

é sobretudo pelos teus gestos
que em mim é mais nítida a recordação da emoção por ti sentida
umas vezes embaraçados, umas vezes lestos…
pontuam indelevelmente uma etapa no percurso da minha vida

confesso que me forço a não olhar para trás
obstinado
cada paço que dou é um dramático apelo ao esquecimento
inglório esforço que minha alma faz
numa infrutífera tentativa de escapar ao vã sofrimento

bem me agarro á esperança do lugar comum: “o tempo tudo cura”
mas atraiçoa-me a memória
dos teus gestos quando lhes senti a tortura de uma contida ternura
tendo como pano de fundo o tempo e a sua natureza conjuratória

sim
o tempo conjurou contra nós
o tempo
e a circunstância das palavras impossíveis de se reproduzir pela voz

é triste quando só falam os gestos no dialecto dos seus silêncios
e sentimos limitado o vocabulário que para o falar se usa
inevitavelmente ficaremos suspensos
numa memória
que a inexorável passagem do tempo tornará cada vez mais injustificada e obtusa  


leal maria 

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