amiúde
muito amiúde me enfureço
e tão violentas são as fúrias que me assolam
se bem que
repentinamente as esqueço
as ruínas que delas resultam pouco me consolam
enfureço-me e é o caos que almejo
por nenhuma razão especial
apenas um singelo desejo
de ao bem se sobrepor o que em mim há de mal
e porque haveria eu de negar esta minha natureza?
é em mim tão intrínseca
amputar-me-ia ao a renegar
uma só certeza
o não saber o que afoito ando a procurar
amiúde
muito amiúde
sou parcimonioso na minha severidade
naquele exercício de pura virtude
de não ser tão cioso do que tomo como a minha verdade
ouvindo razões que outros têm
permitindo-me a liberdade
de tomar como minhas
causas que me não convêm
amiúde
muito amiúde
transijo em gestos da maior amplitude
embriagado nas mais explicitas incoerências
num ostensivo desafio às públicas boas consciências
umas vezes por bem
outras tantas por mal
noutras assim assim
verdadeiramente
a única substância que o dogma contém
é o ser fundamental
para que à esperança sobrevenha sempre o desejável fim
para ser senhor do destino
ergo minha taça em libação a todo o deus e às suas ideologias
usurpando-lhes sacerdócios em liturgias que não domino
numa superficial invocação de lágrimas em emotivas elegias
elegias com que os celebro depois de os ter morto
num indisfarçado sarcasmo pelas eternidades com que se investiram
encerro-os sempre num sarcófago torto
tão torto como as “verdades” com que nos mentiram
sempre que gritei: “filhos-da-puta”
nunca foi em surdina que o fiz
não negligenciei a oportunidade
de acabar com os silêncios a que circunstancialmente me impus
emergiram puras as cacofonias que criei desde a raiz
gritos fragmentados de almas que ultrajei ao habitar os seus corpos nus
a bem dizer
não odeio nem amo
não há espartilho onde caiba a intensidade do meu sentir
é o absoluto que a gritar chamo
loucura é o precipício para o qual ganho coragem em me deixar cair
leal maria
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