terça-feira, 19 de janeiro de 2010

panteão dos sonhos

fui eu, que mudo,
pelo meio do vosso silêncio vistes passar.
despojei-me de tudo;
para que a palavra não me denunciasse a urgência de gritar.

a custo, respeitei-vos o silêncio e mantive-me calado.
passei adiante do tanto que tinha para dizer.
deixei o significado das coisas no verbo amordaçado,
e depois disso,
vi-o definhar até morrer.

se fosse hoje…ai se fosse hoje…
gritaria a plenos pulmões!
seria outra caixa,
albergando novos males e uma nova esperança para que uma outra Pandora a abrisse!
da minha alma emergiriam vocábulos em magnificas erupções;
cataclismo gigantesco,
que no futuro, outro igual, mais ninguém ouvisse.

ai se fosse hoje…
seria o sexo com todo o corpo que existe!
a sublimação para além do bem e do mal…
miscelânea entre o alegre e o triste…
grito rugido no tempo fundamental!

mas não foi hoje…
foi ontem e o ontem já passou.
perdi a derradeira oportunidade
de apanhar esse singular navio, que neste cais que sou, aportou.

hoje;
resta-me o remorso de não ter quebrado a regra mais elementar.
não ter forçado os limites que me impuseram.
ignorei as vozes que na altura me estavam a chamar.
não fruí as quimeras que me venderam.

ao sonhos que ao longo dos anos fui juntando,
já lhes subtraí a parte maior.
e por serem poucos aqueles que posso ir desfrutando;
dou agora maior intensidade ao pormenor.

mas será já tão tarde?
esmorecerá o fogo que em mim arde,
numa lenta e dolorosa erosão,
para que não possa voltar a unir todos os fragmentos que me vão caindo da mão?

disperso-me em mil e um desejos por cumprir…
sou a parte amputada de um deus que enganou ao prometer-se eterno.
um passo dado em frente sempre à espera do outro para partir;
a meio do caminho entre o céu e o inferno.

sim! é já tão tarde!
sou naufrago,
mesmo aqui, resguardado nos teus abraços.
dás-me afecto e eu não tenho onde o guarde…
de tudo me despojei nos caminhos por onde erraram os meus passos.

mas… que raio…
que me interessa o sonho que se cumpriu!?
que prazer tirei nos objectivos alcançados?
busco a plenitude que ainda ninguém sentiu…
quero habitar a cidade dos espíritos pelas tormentas acossados!


sei que já ali,
há uma nova esperança.
ali mesmo, ao virar da esquina da possibilidade!
mas recuso-a, porque lhe adivinho a bonança;
e sinto-me enteado da quietude e filho da tempestade.

há-de de novo em mim trovejar!
levantar-se-ão os meus oceanos da sua placidez!
neles serei o argonauta quase a naufragar…
e a recusar o fim uma e outra vez.

serei a persistência dos trezentos espartanos,
na Termópilas a batalhar!
serei holocausto num panteão consagrado a deuses desconhecidos!
sou o baralho do tudo e do nada que um divino arquitecto está a baralhar…
sou a alma dos homens ainda não nascidos!


leal maria

1 comentário:

miguel disse...

os meus versos, abandonei-os à ventura. daí as parcas e singelas frases.

não, não ganhei. E bem. o que escrevo não é para ali chamado.