domingo, 10 de janeiro de 2010

alma em estado de sitio

silencia-se a voz que outrora em mim gritava.
há um mutismo mudo,
que me percorre toda a alma, à desfilada.

mas desisto…
desisto de procurar onde já nada há!
urgente é que procure a luz da manhã!

preciso desesperadamente das coisas do mundo…
o bulício e o cheiro da multidão!
reintegrar nela o meu eu mais profundo;
sentir-lhe o sabor; pisar o mesmo chão!

preenchida de vazio,
deixo a folha em branco na qual tenho uma luta pendente.
sinto frio…
a solidão espreita-me; latente…

saio para a rua
tento despir a alma de todas as minhas absolutas verdades.
quero-a nua…
permeável a todas as fragilidades.

a fria luminosidade esmaece o fim de tarde
e abraça-me como a um velho amigo que há muito não se vê.
devagar, sem alarde,
ponho, ainda pouco firme, na realidade, o meu pé.

é como se me embrenhasse no desconhecido.
o passo, só gradualmente, torna-se-me temerário.
ainda letárgico para todo e qualquer sentido;
deixo-me dominar pelo acaso arbitrário.


mas insubmisso;
perscruto os espaços à procura uma alma mãe…
alguma esperança a que me possa agarrar.
anseio meu a que não responde ninguém;
é uma anárquica deriva este meu navegar!


perante o irrefutável facto,
de me estarem a morrer as poesias;
decido, num último e desesperado acto,
despir-me de todo o preconceito,
que sempre usei no comum dos dias.


não sei como nem quando,
perdi o sentido que tanto me atormentou.
obedeci tão cegamente ao seu mando;
que a essa cega obediência, a minha alma se moldou.

agora, amputado desse sentido,
quedo-me imóvel no espanto das coisas perdidas.
perante a possibilidade de tudo me ser permitido,
sinto-me incapaz de incorporar outras vidas.


senti demasiado!
desejei demasiado!
sonhei demasiado!

e para quê tanto sentir?
vã perseguição de uma improvável quimera!
loucura da qual tento emergir…
sob os seus escombros, sepulto, jaz o sentido que em mim houvera.

olho em meu redor;
o mundo continua o que sempre foi!
há nele ódio; indiferença; amor; …
mas em mim, um nada de tudo isso, que tanto me dói.


queria-me diferente,
mas sou apenas mais um entre iguais.
ainda que albergue na alma, múltiplas fisionomias,
não posso almejar mais,
que o que me oferece a rotineira passagem dos dias.

foi fugaz a minha imortalidade!
falta-me alento para continuar-me!
pelejei sempre em desigualdade...
será pela desistência que lograrão derrotar-me?

se o nada é a natureza para o qual tudo pende,
o nada será a substância dos sonhos que em mim voltarem a germinar!
couraçar-me-ei na essencial ideia que com naturalidade se apreende;
e nos faz persistir num caminho sem que desejemos a algum lado chegar.

nas ruas que calcorreio à sorte,
testemunho a vida no seu permanente desafio à morte.
quero também irmanar-me na solidariedade de quem tem esperança.
que no íntimo me emerja uma outra poética.
ainda que desprovida de corpo maduro ou de uma ética…
tão somente criança!

decido regressar...
regressar à luta à qual virei as costas!
alinharei as ideias num ataque em linhas sobrepostas.
contornarei o nada com o absoluto!
Investirei na contenda com um espírito resoluto!

a palavra surgir-me-á, nem que seja para nada dizer.
é algo que tenho que fazer,
para que as coisas fluam com naturalidade.
e um tempo sem idade,
funda num só,
o passado; o presente e o futuro;
num cósmico nó,
que derrube com a intemporalidade esse alto muro,
que são os instintos amordaçados nas conveniências…
a demasiada relevância dada às minudências.

mas na folha ainda virgem,
oprime-me a natureza de coisa nenhuma preenchida.
não lhe encontro a loucura; a vertigem; …
a esperança que me traga de volta à intensidade da vida?

assim imaculada na sua brancura,
faz-se-me maior a ausência da ternura.

é o vazio que nos preenche ao perder-mos algo que nos preenchia.
nas toscas e incompreendidas palavras que inventei;
quanto do sentido, em êxtase, no meu peito ardia?
tentei, mas nada criei,
que perene, me alimentasse a poesia.

acordo para os dias, sabendo-me definitivamente ausente.
afasto-me de a cada passo que dou.
esbate-se-me a memória outrora tão presente
e embaraça-me ver-me despojo de um sonho que se abandonou.

pudera eu acomodar-me ao desespero;
abandonar-me a liturgias de solidão.
desistir de tudo aquilo que quero;
mas persiste-me a esperança ao tactear a densa escuridão.

preciso de luz!
preciso libertar-me deste medo!
este medo que tenho e me reduz,
à inócua substância de um desnecessário segredo.


exilarei o sossego e a quietude,
para a pacifica placidez de uma qualquer virtude.
em mim emergirá um novo almejo!
e a necessidade absoluta do absoluto desejo,
desenhará em mim a forma do maior querer.
buscarei a imensidão na economia das palavras essenciais!
garatujar-se-me-á a alma até nem mais uma palavra caber ;
embrenhar-me-ei em fonéticas orgias fenomenais!

a ausência incrustar-se-á em mim diamante…
será a minha intrínseca natureza!
mas suspenso, sempre, naquele instante,
em que seres-me eterna, era uma certeza .



leal maria

3 comentários:

miguel disse...

nunca pensei agradecer em resposta a quem me chama "filho-da-puta". Mas aqui o faço, embora não compreenda o que podes ter lido que justifique tal elogio.

os teus poemas estão a crescer e é mesmo assim. quando a poesia nos abandona... é como uma mulher zangada. Não percebemos os motivos, pode um dia voltar... ou não.

um abraço

A. Pedro Ribeiro disse...

beijos, maria.

leal maria disse...

Meu amigo poeta da provocação... aceito a intenção do teu cumprimento, mas recuso-lhe a forma!! lol Eu com homens fico-me pelo aperto de mão! Porque sou homem também!! Ah ah
Mas claro; nada tenho contra aqueles que gostam. Sou pela liberdade acima de tudo! Pena é que lhe lhes atribua um direito amputado... A homossexualidade não torna ninguém incapaz de criar uma criança!

Mas, como tu, eu adoro "gaijas"!!
Este meu vocabulário chauvinista ainda me vai trazer dissabores! ah ah