domingo, 11 de outubro de 2009

migrações




demoras-te por aqui
e eu já me habituei à tua companhia.
lentamente,
vais tomando posse do lugar que para ti reservei.

ainda que continues a contaminar-me a poesia,
sou já imune à memória daquele dia,
em que, invocando-te pelo nome, acordei.

deixaste de me ocupar todos os espaços…
arrumei-te a um canto de mim,
algures entre o desespero e a resignação.
sinto na alma o suave roçagar dos teus passos;
mas já não é isso suficiente para me desassossegar o coração.

passeio agora o tempo como se estivesse a flutuar…
há muito que de ti mais não espero do que a parte que comigo ficou.
e é bom o desprendimento nesta maneira de amar:
não esperar retorno do que de livre vontade se amou.

somam-se novos dias aos velhos dias;
e velhos sonhos como novos se vão em mim renovando.
esbatem-se os significados cifrados daquilo que me dizias;
subsiste uma outra perspectiva do que em ti andava buscando.

velhos desejos são sobrepostos sedimentos munindo-me de uma dura couraça.
nada do que neles almejei me sobrevive agora.
retorno à antiga memória que, violentamente, de novo me amordaça…
censura-se-me a demora.

o caminho, mal ou bem, fazer-se-á !
e ainda que destino nenhum eu alcance;
nada foi desperdício, nem a esperança vã;
novas inquietações impelem-me a que avance.

liberto do que fui,
libertar-me-ei do que sou e serei livre para o que está para vir…
às cegas, vou tacteando as possibilidades!
recuar é apenas uma outra táctica para continuar a ir,
contornando o obstáculo das saudades.

demora-te em mim o tempo que quiseres!
afinal, és parte substancial das minhas mais ternas memórias.
mas quando em definitivo te fores,
faz o mais silêncio que puderes:
para que não te veja partir e a tristeza não me resgate de outras histórias .




leal maria

1 comentário:

utopia das palavras disse...

"...ainda que continues a contaminar-me a poesia,
sou já imune à memória daquele dia,
em que, invocando-te pelo nome, acordei..."

Queria tanto...que fossem minhas!