domingo, 20 de setembro de 2009

resistência

vieram pela madrugada
encobertos pela noite e as roupas tão escuras
não dormia é certo
mas letárgico, tão saciado de ternuras
encontraram-no estéril como um deserto

não fez um gesto que os contrariasse
deixou-se levar sem um grito ou uma imprecação
resignado que dele apenas ficasse
um eco de gemido
no corpo onde tinha deposto toda a carícia encerrada na mão

dali em diante couraçar-se-ia com a determinação
e de nada lhe valia resvalar para o ódio
ao torturador pouco lhe importa a anatomia do coração
que sentimentos não o fazem atingir o pódio

ele gosta é de torcer e esmagar dedos
eleva-se aos deuses por sentir ter um poder tão discricionário
mesmo quando são vãs os segredos
são sempre eles a suprema glória do torcionário

e deu-lhe segredos, ó se deu
disse-lhe tudo o que queria ouvir e já sabia
falou-lhe de planos com todos os inúteis pormenores que lembrou
somente omitiu o quanto inócuo eles eram e a liberdade que nele explodia

decepado por decepado
pouco lhe importava que fosse o dedo ou toda a mão
importava que fosse lembrado
como aquele que soube dizer não

recusava uma vida amordaçada
acocorado se vive de costas para o futuro
a vontade era-lhe o duro aço de uma espada
com ela derrubaria todo o muro

havia que resistir até ao fim
fugir ao desespero e abandonar-se à dor
fechar-se lá no mais profundo de si
no lugar onde germinara a liberdade e podia voltar a surgir o amor

já cansados, deixaram-no ali moribundo
vangloriando-se do seu total abandono
tristes
não sabem que um Homem é dono do mundo
quando recusa ser cão segurado pela trela do seu dono




leal maria

3 comentários:

utopia das palavras disse...

Não sei se te conheço um pouco, por tudo aquilo que já me confidenciaste...este poema jamais o pensaria teu!
Prenhe de resistência, de negação à delação, mesmo que morimbudo às mão do torturador este resistente continuou integro, fosse qual fosse a causa...foi digno! Isto faz-me lembrar os poetas a que chamo da resistência, Neruda, Ary, Vinicius, Martin, Guillén, Mário Dionisio, Armindo Rodrigues e tantos tantos outros!
Foi bom ler este registo poético...vindo de ti!
Gostei dele!

Um beijo

Anónimo disse...

Caro Leal Maria, pois vim aqui fazer justica (no outro dia tivemos uma "briga" acerca de uns poemas de A. L. Amaral) -- pois justica seja feita, gostei mutissimo deste seu ultimo poema apresentado aqui no seu blogue (de outros tambem mas deste em especial).

Depois de ler hoje o Bibliotecario de Babel fiquei traumatizada pensei que a activacao da caixa de comentarios tinha sido por causa da nossa "discussao", depois li o que por la se passou e realmente percebi o que se passava.

Como adoro uma boa discussao, espero vir a reencontra-lo neste ou noutro blogue.

Ja agora, na altura so fiquei irritada por se referir a poetisa como "a mulher", talvez nao me tenha explicado bem.

Parabens e obrigada por nos mostrar o que escreve neste espaco.

Blimunda

Anónimo disse...

Luís!!!
Fui hoje para aceitar 3 comentários e , não sei porque, desapareceram quando os aceitei! Tinha lá dois teus e um de outra senhora!
Não me lembro bem de tudo o que disseste mas agradeço-te por aquilo que me lembro! E sei que temos de falar, já disseste isso várias vezes! Podemos falar por e-mails, como te disse antes.

Gosto deste e dos teus outros poemas. Sei que não os comento muito mas costumo lê-los sempre. Às vezes, retratas coisas que me colocam a pensar muito...
Agora tenho andado muito ocupada e tenho tido estas ausências.

Beijinhos