terça-feira, 8 de setembro de 2009

golpe de mão

golpe de mão

as tuas mãos
assim, firmemente cerradas
hoje, como tantas outrora, ansiosas
têm nelas a germinar
os mesmos gritos que profanaram virgens madrugadas
na taliónica lei do dente por dente e olho por olho tão ciosas.
 
houve um tempo 
em que só caricias as ocupavam
longínqua memória
quando as manhãs te despertavam
ainda folha em branco,
e a possibilidade de uma outra estória.
 
mas se faz tão tarde...
tão tarde e tu sabe-lo bem
em teu peito 
tudo sucumbiu ao ódio que nele arde
és tu e mais ninguém

acerca das virtudes da castrense camaradagem
tantas foram as dissertações que ouviste
vã sapiência
que não evitou que viesses a ocupar na vida a parte malsã da margem
aí, bem firme e de pé, ignoras que já caíste
 
tombaste para o lado onde maior é a solidão
tão inócuos são os abraços a celebrar vitória na batalha.
à feérica luz do regozijo predomina o cheiro da podridão
e é mais golpe menos golpe que na tua alma se talha
 
hoje, como outrora outros igual a ti, semeias os mesmos medos
fertilizando de sangue campos de morte
embrenhando-te no mais terrível dos degredos:
a fraqueza de fazer prevalecer as más razões do mais forte.
 
enviaram-te e tu
voluntarioso, sonhaste com a glória
fortaleceste os músculos e apuraste as técnicas no eficiente matar.
reivindicas-te autor de uma parte substancial da história
mas da tua obra, faz-se maior o ensurdecedor som do órfão a chorar
 
tudo tem um término, porque cansa tudo o que tende a eternizar-se
voltarás e homenagear-te-ão
dizendo que continuas a ser parte importante da engrenagem de um projecto ainda a realizar-se
uma medalha e um aperto de mão
e no alto pedestal do seu orgulho, deixarão ainda, a tua pessoa manifestar-se
 
depois, remeter-te-ão ao subtil silêncio do dever cumprido
paulatinamente, serás esquecido por haver outros em teu lugar
mais frescos, sem que nada ainda os haja comprometido
o choque da perda de inocência, não os fará buscar justificações para o indiscriminado matar
 
ouvirás ministrarem-lhes as mesmas ideologias tealogais
com que te conquistaram a alma para do teu corpo usufruírem
e quando por fim os vires embarcar
heróicos, num triste cais
anteverás o morrer de sonhos quando muitos por terra caírem
 
dirás, para teu próprio consolo, que não tiveste alternativa
perante o chamamento do dever, não vacilaste
pelo teu esforço é que a razão dos teus se mantém viva
e isso, por si só, justifica todos os que mataste
 
em tua honra erguerás triunfante uma taça de vinho
atrás dessa, outra virá, antecedendo muitas mais que virão
olharás em redor eoutros como tu fazer-te-ão sentir ainda mais sozinho
e passarás a fruir os dias numa letárgica subtracção
 
quando por fim, o tempo te subtrair o último dia
encontrar-te-á sem honra nem glória, na imunda sarjeta de uma qualquer cidade
incomodo cadáver que não merecerá uma elegia
apodrecerá com a tua carne tudo aquilo que agora é em ti vontade
 
mas é-te o futuro ainda incógnito
aí de tocaia, alimentas-te na raiva que te mantém alerta
embrutecida besta que o inimigo espera indómito
da dor semeador, em mais um dia que desperta
 
leal maria

Na foto, escultura (relevo) de Sabin Howard

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