sábado, 26 de setembro de 2009

desperta a manhã e surpreende incautos os amantes



sabe que muitas das vezes acordo para os dias
e não estou para poesias

emirjo na manhã sob uma poeira de desencanto
ao poema perco-lhe o sentido
fraqueja-me a voz a meio do canto
e dou por mim a lamentar tê-lo construído

afoito
procuro ajuda àqueles com que me habitei em cidade
e eles são-me uma imensa multidão
anónimos
nascidos da fornicação entre minha alma e a curiosidade
foram criados para me diluírem a peçonhenta solidão

mas inevitavelmente
ela logra tomar conta de mim
absorto que estou de tudo o resto quando neste oficio de sentir
perante o precipício de um não em contra-ponto a um sim
dou sempre o evitável passo em frente e deixo-me cair

no entanto, são virgens as tuas mãos
quando pela manhã sobre as minhas pousam
e há no teu olhar um solstício de verão
claro e longo dia que fruir os deuses não ousam
porque a pureza mora perfeita na sinfonia do teu coração

resgata-me o abraço que me dás
desperta-me a palavra que sussurras em lânguida liturgia
suavíssimo despertar de manhãs
em que de novo me embranqueço para a poesia

sim
são virgens as tuas mãos sobre as minhas assim tão mansas
confesso que nelas se me desenha o mundo exterior a cores
e tu persistes nessa esperança de que nunca te cansas
esperando de mim uma altruística permuta de amores

ainda assim
a noite resguardar-me-á novamente em frio e desamor
para que os grilhões desses teus encantos me não prendam
é há noite que disseco a tua anatomia ao pormenor
no intuito que os sentidos da alma aos do corpo se rendam

no teu sexo me encarno em puro egoísmo
faço-me senhor do agora e do depois
que o passado não me proporciona o almejado heroísmo
que é unir-me a ti e continuar a ser somente um de dois

é neste intermitente castrar de memória
que me vou furtando à entrega absoluta
em cada dia és-me renovada história
e cada dia mais profunda e irresolúvel a minha permanente luta

quero sempre as manhãs nascidas da incerteza
ler o poema que no teu corpo escrevi e não me reconhecer
apagar todo o sinal com que te profanei a beleza
para que em cada noite escreva outro tempo e de novo em ti me faça renascer



leal maria

1 comentário:

Anónimo disse...

isto está tão...bonito!
Sinto que vi mesmo essas imagens...

"mas são virgens as tuas mãos
quando pela manhã sobre as minhas pousam
e há no teu olhar um solstício de verão
claro e longo dia que fruir os deuses não ousam
porque a pureza mora perfeita na sinfonia do teu coração"
resgata-me o abraço que me dás
desperta-me a palavra que sussurras em lânguida liturgia
suavíssimo despertar de manhãs
em que de novo me embranqueço para a poesia

sim
são virgens as tuas mãos sobre as minhas assim tão mansas
confesso que nelas se me desenha o mundo exterior a cores
e tu persistes nessa esperança de que nunca te cansas
esperando de mim uma altruística permuta de amores"

os grilhões dos encantos, que bela escolha de palavras.

Adorei mesmo este teu poema! Dá vontade de viver tudo isso..
Eu amo a nostalgia do Outono...