quarta-feira, 10 de junho de 2009

Portugal fintando o mar

ainda hoje espero ansioso os dias
porque é muito
o que continuo a desejar nas suas manhãs
mas olho a ténue neblina tecida nas maresias
e sinto-a triste mortalha
das velhas quimeras que a memória me traz

o vento passa
e são árvores que continua a acariciar
iguais a tantas outras que tombaram
para dar firmeza ao meu caminho de mar
maternal ventre dos cadáveres que nele se sepultaram

o braço afrouxou-se-me no passar do tempo
os séculos tentam devorar o que resta de mim
e da pretérita fúria
em promiscuidade com o mais puro sentimento
há muito lhe sobreveio o fim

sei que nada de divino houve no que fiz
nenhum deus me ungiu para que o servisse na fé
o sonho existiu porque minha vontade assim o quis
somente tentei
contra a malsã fortuna e as más marés manter-me de pé

algumas vezes soçobrei
pois soçobrei
assim o determinou as circunstâncias a que chamam destino
que do mundo querer ser rei
não foi feito para alguém tão pequenino

mas que me adiantaria tanto horizonte
se temesse as tormentas que germinavam nas águas
desejei e fui o primeiro pilar da universal ponte
ainda que ao sal do mar
se acrescentasse o sal das minhas mágoas

o sonho não me nasceu de parto fácil
muitos foram os corpos que tiveram de cair para lhe dar consistência
e ainda que o mundo tenha a sua memória tão volátil
navega agora na minha ritmada cadência

porque quis e fui senhor
e senhor me mantenho neste corpo envelhecido
por ganância ou amor
soube dar ao mundo a parte amputada que ele havia esquecido

ao oceano é com renovado olhar que agora o olho
e lhe pus o nome de saudade e memória
se por mim cresceu
o seu destino já não sou eu que o escolho
mas fui uma das partes maiores da sua história

tenho atrás de mim outro mais velho do que eu
estende a mão chamando-me a sentar-me consigo
aceito-o
porque se o sonho no oceano me nasceu
definida a sua forma
ficou indefinido o destino que persigo

sou eu
neste rectangular corpo que aqui vês
fitando nostálgico o atlântico
sou Portugal e quem me chama diz-me português
e na minha língua se canta a primeira estrofe do universal cântico



leal maria

Sem comentários: