quinta-feira, 4 de junho de 2009

perdi as horas e não me importo

perdi as horas e não me importo
há muito perdi a maior substância do tempo
e já nem a tento agarrar
sou um navio
encalhado no cais de um qualquer porto
oscilando
na vã pretensão entre o partir e o chegar

se havia desejo naquele corpo
eu não o possuí
no lábio
o beijo que lá morava
não era para mim guardado
que cada um se bastou a si
e sou agora a parte menor do que me foi amputado

nas mãos pendem-me punhais
no antebraço
tenho tatuada a ausência e a saudade
meus ensejos exigem muito mais
e por isso fico marginal de costas voltadas à cidade

na placidez enganosa com que rio
enredo-me no inócuo diálogo do acobardado
vai-me definhando a vida de fio a pavio
porque desaprendi o vã oficio de sonhar acordado

já nada me resta da esperança
os meus relatos já não são de batalhas gloriosas
nada de digno me figura na lembrança
que justifique este cair de miríades de rosas

porque caem mas não me celebram em festa
e os que esmaguei nada dizem em meu favor
que às almas que degluti para apurar a minha gesta
faltava-lhes um tudo nada de amor

outro de mim mora agora comigo
e diz-se vencido de tudo a que chamamos vida
estende-me a mão e chama-me amigo
e diz-me que o cumprir do sonho é coisa para ser de fugida

mas que me importa o que ele diz
se de fugida ando eu
dos corpos outrora pujantes e que fiz moribundos
seres que me habitaram os paraísos que fiz a giz
e por isso tão frágeis mundos

sou-me assim
a fruição em plenitude de quem espera o que sabe não vir
tão livre de tudo e prisioneiro de mim
no permanente abismo onde nunca deixarei de cair



leal maria

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