GÉNESIS
tão somente uma ínfima parte
do que dizia sentir;
com talvez aí metade da intensidade
que declarava empenhar em tal ofício.
na verdade,
nada o motivava a mentir:
não fora o dizer-se de tudo amante,
seu único vício.
poeta por necessidade e tacanhez,
titubeava perante a literalidade das flores.
incapaz de lhes descobrir na primaveril lânguidez,
sensíveis metáforas;
possível bálsamo para as suas dores.
mas o vínculo à concreta realidade;
a incapacidade
de passar adiante do imediatamente apreendido;
obrigaram-no
à domesticação das palavras e da sua sonoridade;
delas se assenhoreara,
ainda que por elas vencido.
embora coisa não houvesse
que mais o tentasse,
do que as vergar à vontade que no caos se ajeita;
deixara-se aprisionar na musicalidade da rima.
mas por mais que o quisesse,
e a tal se esforçasse;
baralhando as da esquerda para a direita
e as de baixo, oblíquamente para cima,
descobria-se sempre por ela escravizado;
imbuído num contraditório voluntarismo,
como se sofresse a malsã obsessão
daquele que por muito apaixonado,
percorre ruas num impenetrável mutismo
e as toma somente habitadas
pelas frias pedras a calcetarem o chão.
e chão lhe era, esse emaranhado de palavras,
construindo a frase viciosa.
melodramático, nele se sublimava prazeroso.
caminhava-o prosélito de uma teologia melodiosa;
mas com rosto sofrido como se o cingisse cilício,
que rasga a carne até ao ipifânio gozo.
assim paramentado,
não mais lhe restava do que o sarcedócio no luso idioma.
os sentidos obrigados
à liturgia a que se tinha agrilhoado.
desconsolado saciar de fome.
maná ofertado por um deus sem nome.
pão seco em que nada mais há que se coma.
mas poeta se dizia e sentia que o era;
ainda que resignado a essa sua limitação.
enfim,
não seria vinculado ao seu nome,
que a literatura entraria numa nova era;
e na sua falta de fé apenas se almejava,
subtraído na palavra, à inevitável podridão.
e porque não!?
o estirparmo-nos das pútridas entranhas,
pela grafia dos sentidos
arrancados às paixões da carne;
é recurso tão lícito
como outras quaisquer artimanhas,
nessa permanente luta
com a divindade que de nós escarne.
mas sabia-a invejosa (a divindade),
nesse seu de nós escarnecer.
obtuso espírito,
que só no mármore expressa a sua eternidade
e furibundas feições
nela foram cinzeladas para nos estarrecer.
o medo... ah o medo! sempre o medo...
esse grande disciplinador que a todos tolhe.
embrulham-no no enganador ânimo
do neófito introduzido ao segredo;
mas a verdade
é não haver deus algum que de nós cuide e olhe.
sabe-nos, o poeta pela rima manietado, sós!
sujeitados à bruta animalidade da nossa natureza.
condição que a todos nos tem atados em górdios nós
e o propalado livre arbítrio,
é doce ilusão atenuando a incerteza.
mas à frustração pela consciência dos seus limites;
preferiu a semântica da falsa fragilidade,
nas sombras projectadas na caverna de Platão
que deformadas por interpostas estalactites,
propõe alucinadas versões da concreta realidade.
fértil campo onde mais universos se semearão.
treme num desespero amansado,
a mão do rimador.
ávida das ténues e raras fontes de luminescência,
que se desvanecem
manejadas pela garatujada caligrafia.
e fica no peito amordaçada, a dor;
sentida ou a tal forçada, pela lírica ciência,
que são os ínvios caminhos da poesia.
resoluto,
antecedeu o verbo com consoantes e vogais;
sem coragem para contrariar,
essa natural hierarquia da precedência.
rastejante anfíbio dos pantanosos lamaçais,
ousou confrontar o rosto que de cima o estava a mirar
maravilhado de o ver desejar a árvore sem a sua anuência
não sendo espantosas,
viu que no entanto, eram coisas boas
e alumiavam, ainda que poucochinho.
leal maria
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