domingo, 17 de outubro de 2010

Mascaras

é-me perene o tempo de partida.
à minha alma
fecunda-a um adeus assim que ela se move.
procuro na intrínseca natureza da despedida,
a essência dogmática de uma qualquer retórica que aprove.

mas nunca sou eu que parto.
nem quando à janela daquele comboio a sair da estação.
e ainda que farto,
invisto-me como fiel depositário da solidão.

sim, sou sempre eu no cais;
de mão no ar, a desenhar um adeus pouco convicto.
a tentar mais e mais,
chamar a atenção para o silêncio opressor do meu pretenso grito.

sou o que se força a entristecer.
a carpir mágoas pela forçada ausência.
ponho no semblante,
a expressão de alguém que acompanha alguém a morrer;
como se necessitasse o mundo dessa evidência.

sim,
quero revelar-me ao mundo frágil como me pretendo.
condição essencial para a publicitação da intensidade do meu sentir.
fazer alarde da minha dor e mostrar que a entendo,
uma etapa mais rumo à sublimação que ando a perseguir.

é irrelevante todas as mutações,
em mim se processarem com uma naturalidade desarmante.
mais que sentidas, quero a intelectualidade das emoções.
lágrimas sulcando-me no rosto a fisionomia do sofrido amante.

testemunhe o mundo o quão elevado é o por mim sentido.
reconheça-me possuidor das humanas fraquezas.
oculte-se-lhe que represento um personagem à luz trazido,
das minhas mais impenetráveis profundezas.

máscaras que tenho para usar nas circunstâncias dos dias.
tantas, que me perco nos seus enredos.
disperso pela diversidade das suas fisionomias;
deixando em cada uma fragmentos dos meus mais íntimos segredos.

actuo perante a vida como se fosse ela uma atenta plateia,
observando-me a desenvolver a personagem que atravessa toda trama.
intersecções, perpendiculares, paralelas,… rumos de uma emaranhada teia,
conjugando-se para a elaboração do drama.

como poderia eu abster-me de ser o actor?
não substanciar de intensos sentimentos toda esta dramaturgia?
ainda que fingido, não deixa de ser amor,
quando o cinzel e o escopo com que o talhamos é a poesia.

poesia… poetas…
já só cá faltava a referência a estas vetustas figuras!
tretas, tretas, tretas…
o ficcional mundo das sensibilidades… feminis ternuras.

não;
do húmus que é a génese do poeta, não se encontrará em mim nenhum!
outros se comprazam nessa onanista auto-designação.
demasiadamente embrutecido para deles ser mais um:
escrevo poemas como quem ao vir-lhe o apetite, come pão.

não que as palavras me alimentem.
que são afinal, para que delas nos alimentemos?
possuindo-as na sua versão fonética ou gráfica, os corpos nada sentem.
para quê então, tanto as queremos?

confesso, delas sou dependente.
viciado pelo tanto de mal ou bem que lhes fiz.
necessidade premente,
de por elas me fixar nas coisas nas quais não sou bem sucedido em lançar raiz.

sem elas, como justificar-me tão fogo fátuo… tão dado à inconstância?
pois, poeta não serei…
quando muito, tenho dos demais alguma da jactância;
mas não ganho concursos e nem os meus aforismos são lei.

sirvo-me das palavras prostituindo-as.
vergo-as à vontade do que tenho para dizer.
advertindo-as,
das graves consequências que sobrevém a quem não me obedecer.

aí está: a jactância de poeta a vir ao de cima!
pobre de mim que sou refém das personagens que há muito represento.
promiscuidade que constantemente me ensina,
já somente sentir o que fingi ser sincero sentimento.



leal maria

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