domingo, 5 de setembro de 2010

"é a vida..."

“é a vida…”
 sim, é a vida, eu sei.
 evidente constatação de um inócuo lugar-comum.
 reticências onde todos lá cabem
 e há sempre lugar para mais um.

 ideal lugar para eu habitar.
 três pontinhos que tudo deixam em aberto.
 de ubíqua natureza, vivo a realidade a sonhar;
 estou longe estando perto.

 em desespero, esperei quem não veio.
 vi sempre um adeus nos braços de quem me abraçava.
 meu desejo desaguou em anónimo seio.
 não reconheci quem disse que me amava.

 num jogo de azar ou sorte,
 deixei que momentaneamente,
 o aleatório predominasse sobre a vontade.
 observei como a vida se alimenta de outra vida,
 metamorfoseando-a em morte;
 voraz autofagia que nunca atinge a saciedade.

 filho do mutável,
 corri o risco de perder o umbilical sentido de pertença.
 mas nada dei como permutável,
 porque somente possuo o adquirido à nascença.

 meu choro inicial foi prenuncio de um grito de guerra.
 declaração possível de uma independência total.
 convicto na fúria de quem o seu primordial dogma berra;
 declarei a liberdade como bem fundamental.

 mas ai de mim,
 nada disso me exigiu sacrifícios.
 foi delito de consciência a que ninguém quis dar fim.
 e do fragores de batalhas somente há resquícios,
 daquelas que travei dentro de mim.

 batalhas… se em tantas pelejei,
 de nenhuma saí vencedor.
 nada encontrei daquilo que nelas busquei,
 para além de um efusivo clamor.

 clamor de falsos gritos de vitória.
 soube sempre ser inevitável a derrota.
 vã orgulho de quem somente lhe resta a gloria,
 de tentar endireitar uma vida que nasceu torta.

 “é a vida…”
 sim, é a vida, pois é…
 lugar-comum que não dá a resposta que me é devida.
 mesmo assim, manter-me-ei de pé:
 esperando que no crepuscular horizonte, se esconda ainda a luz,
 que todas as manhãs obriga a escuridão a declarar-se vencida.


 leal maria

Sem comentários: