os rostos
que perante mim vão desfilando
(há-os para todos os gostos)
cada qual
com as singularidades com que a minha má memória os foi dotando
ser-me-iam anónimos e impessoais
nada tendo diferente dos demais
não fora dar-se o caso
de serem a cronologia dos meus afectos
uma medida de tempo que criei para espíritos como o meu
um tudo nada circunspectos
fantasmas que habitam sonhos que o tempo quase desvaneceu
a nenhum posso chamar
porque a todos esqueci o nome
somente me perdurou aquela sufocante ansiedade
em que tudo à nossa volta se some
e de livre vontade
abdicamos da liberdade
abdicamos da liberdade
deixamo-nos imolar num fogo que violentamente nos consome
pergunto-me por vezes
o que aconteceu ao corpo que a cada rosto sustinha
que destino lhe cabe cumprir
(e esta é uma pergunta muito minha)
quando à memória convocada é somente o rosto a surgir
amputado abaixo do pescoço
ao rosto
facilmente se lhe apreende a mais íntima fisionomia
saboreamo-lo como delicado mosto
reconhecemos-lhe sem esforço a forte possibilidade de poesia
mas é somente agora
extemporaneamente
que tenho essa suficiente sensibilidade
e urge ir-me embora
que saudade sentida tão intensamente
abala até as fundações da mais convicta probidade
leal maria
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