sábado, 28 de fevereiro de 2009

a vontade




foi talvez o marulhar d´águas
o som nítido e claro na manhã soalheira
aquele esquecimento de todas as mágoas
uma manhã parecida quem sabe com a primeira

não se ouviam os pássaros no seu chilrear
só uma espécie de grandes corvos
pairando algo sinistros no céu azul
e por uma vez em muitos meses
ausentou-se a necessidade de matar
na vontade do homem da Europa do sul

e recordou os seios adivinhados
das raparigas a quem amou
recordou os mercenários corpos
onde aliviou os sentidos
e um pouco da ilusão do amor que então buscou
nesses corpos
onde repousam os amores perdidos

e de novo
todos esses cheiros renasceram-lhe na memória
e a pátria lá ao longe já dele esquecida
vergou-o ao peso de ter que lhe escrever a história
de ter que levar o impossível de vencida

sentou-se na margem desse rio
observando-lhe o fluir sem pressa das suas águas de cristal
e sentiu saudades da sua terra no estio
quando menino
lhe explorava montes e do mundo se ausentava todo o mal

deu-se conta que tudo isso ficou para trás
o seu fado era a infrutífera busca da fortuna no desconhecido
com ferros matava e com ferros iria morrer
mas pelo sonho valeria a pena por ele houvera renascido

o mar não o afugentou com o seu tenebroso rugir
resistiu ao frio à fome e ao escorbuto
sob a sua espada quem andava ao corso teve de fugir
aumentando-lhe o pecúlio com o seu produto

deu ao mundo novas coordenadas novas latitudes
outras vaidades e o sabor inebriante da especiaria
afectadas atitudes
uma outra dimensão e um outro sentido à poesia

nunca se fiou nas toscas respostas que lhe impunham
no mundo imenso perduravam-lhe tantos porquês
e era feito de mais coisas do que eles supunham
tivera a sorte que o destino houvera de o nascer português

foi talvez o marulhar d´águas
sulcando mais uma ruga de expressão ao rosto do mundo
foi talvez a vontade
de realizar o sonho maior e o desejo mais profundo


leal maria


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