domingo, 6 de março de 2011

liquido amniótico da brutalidade

deixei que o silêncio
se sobrepusesse às minhas maiores vontades
a resignação como um lugar de aconchego
descobrir tão etéreo
a natureza do que tomei como absolutas verdades
forçou-me a apropriar-me das coisas com muito menos apego

se perguntas houve a que não soube dar resposta
acabei por desistir de as formular
não arrisquei tudo
e não arriscar foi uma má aposta
hesitei entre o passo em frente e o recuar

hesitação que me fez marcar passo
abster-me da dinâmica de um grito de revolta
recusei vincular-me a todo o contrato lavrado num simples abraço
embrenhar-me em labirintos
em que não tivesse a certeza de encontrar o caminho de volta

o sossego valorizado em demasia
interessava evitar a inquietude acima de tudo
outrora perdido na sinuosa geografia da poesia
optei por chegar calado e partir mudo

e assim ancorado à covardia
em lugar nenhum logrei encontrar um porto de abrigo
perdido um dos possíveis futuros ao recusar o que já havia
falta-me definir o que agora persigo

porque de volta à vertigem dos sentidos
onde a miragem é em si mesma algo de muito substancial
dou comigo a ser cinzel que esculpe corpos com rostos repetidos
sem que lhes descubra no âmago a essência fundamental

falta-me a voz quando tento articular uma primeira palavra
a persistência do meu forçado silêncio é-me algo ensurdecedor
nada resta de virgem na minha alma
e ainda que nela cave bem fundo com o brutal esforço de uma dolorosa lavra
dou comigo indiferente até à dor

o amoral desapego substanciou a minha brutalidade
dando-lhe a consistência do granito
sem dar por isso
passei p´ra lá da mais complexa sentimentalidade
um rugido de fúria é o que se ouve sempre que grito


leal maria

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