domingo, 13 de setembro de 2009

no princípio era o verbo mas quando o fim se anunciou o amor surgiu

o rosto de rugas sulcado
é como que um reflexo das terras que outrora lavrou
as intempéries o sol e o vinho
encarregaram-se de auxiliar a passagem do tempo
havia forçado ao exílio o mais profundo sentimento
desvaneceram-se-lhe lembranças de todas as batalhas que travou

se umas ganhou, muitas mais houvera perdido
e todas amassou na mesma mescla do sentido
para depois as deitar fora
a boa e a má hora
na impossibilidade de dissecar uma por uma
optou pelo método menos doloroso que era ficar sem nenhuma

voluntaria-se como personagem trágica e cómica
no meio de uma chusma ululante
progressão aos trambolhões
emergir triste e triunfante
num indignado grito: “os colhões”
para logo invocar as lágrimas ao olhar baço
ficando quieto como se esperasse um abraço
que nunca vem
porque entretanto tudo deserta sem ficar ninguém
deixando-o só na sua solidão
na mão um amargo bocado de pão
que leva à boca sem convicção
só para se furtar à imobilidade
que o denuncia um pobre actor sem palco nem estrado
ali no meio de uma decrépita rua da cidade
a poucos metros onde repousa o corpo martirizado
remoendo os dias de incerteza
como se fora eterno o tributo a pagar à tristeza

do céu
o sol de verão dá lugar a um prenuncio de inverno
e ele entristece ainda mais
porque sabe ser de água e frio o inferno
quando o que chama cama dá lugar aos lodaçais

mas aquele dia decidiu que já ninguém lho ensombrava
apaixonara-se
assim sem mais amava
o rugoso granítico do seu espírito renovara-se
num polimento rejuvenescido
alienada Fénix da podridão renascido
porque assim que o viu
uma jovem estudante lhe sorriu
e sem que no seu rosto houvesse o mínimo repudio ou receio
estendeu-lhe às mãos um pão que comia
com a mesma solicitude com que uma mãe dá ao esfomeado bebé o seio
com a naturalidade com que o seu sorriso se parecia a doce poesia


leal maria

1 comentário:

utopia das palavras disse...

Leio, releio, este tocou-me profundamente. Belo!
Estava a ler e cada palavra por mim dita soava-me à força e à negação do amor...foi um momento meu, com as tuas palavras!
Cada verso mergulhado, prenhe do verbo amar!
Gostei imenso!

Um beijo

(li todos os teus poemas, muralhas de aço que me derrubam e me inibem de falar)